Correios: Rombo de R$ 6 bilhões e busca por empréstimo

Empresa pública registra resultado negativo histórico nos primeiros nove meses do ano e negocia crédito urgente com bancos para garantir fluxo de caixa e honrar salários.

A fotografia mostra o pátio de operações de uma grande unidade logística dos Correios. Em primeiro plano, vê-se a frota de veículos (furgões e caminhões) na cor amarela com o logotipo azul da empresa. A fachada do prédio é industrial, em tons de cinza e amarelo. O clima nublado na imagem sugere, metaforicamente, o momento difícil da empresa. Não há pessoas visíveis, focando na estrutura física.
Estatal enfrenta prejuízo recorde e busca crédito no mercado para manter operações. (Foto: Divulgação/Correios)

A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), uma das instituições mais antigas e capilares do país, enfrenta um de seus momentos financeiros mais delicados das últimas décadas. Dados preliminares referentes ao balanço do terceiro trimestre de 2025 indicam que a estatal acumulou um prejuízo alarmante de R$ 6 bilhões entre janeiro e setembro deste ano. O rombo, que supera as previsões mais pessimistas de analistas de mercado, acendeu o sinal de alerta máximo na diretoria da empresa e no Ministério das Comunicações. Diante da escassez de caixa e da necessidade de honrar compromissos inadiáveis neste fim de ano, como o pagamento da folha salarial e do 13º salário dos milhares de servidores, a administração dos Correios se viu obrigada a recorrer ao mercado financeiro em busca de um empréstimo bilionário de emergência.

Este cenário de deterioração fiscal não surgiu da noite para o dia, mas é o reflexo de uma tempestade perfeita que combina custos operacionais crescentes, perda de participação de mercado para concorrentes privados agressivos e o peso de passivos trabalhistas e previdenciários históricos. A situação é tão crítica que a dependência de capital de terceiros para fechar as contas do ano coloca a estatal no centro do debate sobre eficiência de gestão pública e a sustentabilidade de seu modelo de negócios atual. Enquanto a diretoria trabalha nos bastidores para estancar a sangria, a sociedade e o mercado observam com apreensão os desdobramentos de uma crise que pode impactar a logística nacional.

O tamanho do rombo financeiro estatal

Ao analisarmos a composição desse prejuízo de R$ 6 bilhões, percebe-se que ele é estrutural e multifacetado. As receitas da empresa, embora ainda robustas em números absolutos, não têm crescido na mesma velocidade que as despesas. O segmento de correspondências (cartas, faturas), que historicamente foi a “vaca leiteira” dos Correios devido ao monopólio, segue em declínio vertiginoso com a digitalização acelerada da economia. Cada vez menos brasileiros enviam cartas ou recebem boletos físicos, drenando uma fonte de receita que, no passado, subsidiava outras operações menos lucrativas da empresa.

Por outro lado, as despesas fixas da estatal permanecem rígidas e elevadas. A folha de pagamento, que inclui benefícios robustos conquistados ao longo de anos de acordos coletivos, consome uma fatia desproporcional do faturamento. Além disso, os custos com manutenção da frota, aluguel de imóveis e logística de transporte (combustível e contratos aéreos) sofreram reajustes acima da inflação no último ano. A matemática, portanto, tornou-se cruel: com menos dinheiro entrando e mais dinheiro saindo, o déficit operacional mensal tornou-se uma constante ao longo de 2025, culminando no montante bilionário registrado até setembro.

Outro fator que pesa na balança é o passivo atuarial relacionado ao Postalis, o fundo de pensão dos funcionários. Equacionamentos de déficits passados exigem aportes constantes da patrocinadora (Correios), drenando recursos que poderiam ser investidos em modernização e tecnologia. Esse “custo do passado” é uma âncora que impede a empresa de navegar com agilidade, transformando lucros operacionais eventuais em prejuízos contábeis finais. A gestão atual argumenta que herdou uma situação complexa, mas os números frios mostram que a sangria se intensificou no atual exercício fiscal.

A busca por crédito no mercado

Diante da impossibilidade de cobrir o rombo com geração própria de caixa, a diretoria dos Correios iniciou tratativas urgentes para a contratação de empréstimos. A cifra discutida nos bastidores gira em torno de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões, valores necessários para garantir a liquidez da empresa até o início de 2026. A operação de crédito, no entanto, não é simples. Como empresa pública dependente do Tesouro para certas garantias, os Correios precisam de autorizações específicas e enfrentam o escrutínio de órgãos de controle.

As negociações envolvem, primariamente, bancos públicos como o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, mas a possibilidade de captar recursos com instituições privadas ou através de emissão de dívida (debêntures) não foi descartada. O objetivo imediato é evitar o “default” interno: o atraso de salários. Para uma empresa com o contingente de funcionários dos Correios, qualquer falha no pagamento da folha teria consequências sociais e políticas devastadoras, além de paralisar serviços essenciais através de greves. O empréstimo, portanto, funciona como um respirador artificial: mantém a empresa viva no curto prazo, mas não cura a doença crônica de suas finanças.

Especialistas em finanças públicas alertam que o endividamento para custeio (pagar contas do dia a dia) é a pior forma de alavancagem. Diferente de tomar dinheiro emprestado para construir um novo centro de distribuição automatizado, que geraria eficiência e lucro futuro, o empréstimo para cobrir rombo apenas joga o problema para frente, acrescido de juros. Isso cria uma bola de neve que pode comprometer ainda mais o orçamento da União caso a estatal não consiga honrar a dívida no futuro, exigindo, em última instância, um aporte direto do Tesouro Nacional — ou seja, dinheiro do contribuinte.

Desafios operacionais e concorrência

Enquanto luta para equilibrar os livros contábeis, os Correios enfrentam uma guerra feroz no “front” operacional. O mercado de encomendas expressas, impulsionado pelo e-commerce, é hoje o grande motor da logística, mas a estatal perdeu a hegemonia que detinha. Gigantes do varejo online, como Mercado Livre, Amazon, Shopee e Magalu, desenvolveram suas próprias malhas logísticas (logística proprietária), reduzindo drasticamente a dependência dos serviços de Sedex e PAC. Hoje, essas empresas utilizam os Correios apenas para as rotas mais complexas e menos lucrativas, ficando com o “filé mignon” das entregas nos grandes centros urbanos.

Essa seleção adversa prejudica a rentabilidade da estatal. Os Correios têm a obrigação legal de entregar em todos os 5.570 municípios brasileiros, do centro de São Paulo à aldeia mais remota da Amazônia. Os concorrentes privados, livres dessa obrigação universal, focam onde há densidade e lucro. Para competir, os Correios precisariam de investimentos massivos em tecnologia, automação de triagem e renovação de frota, mas a falta de caixa impede justamente esses investimentos. É um ciclo vicioso: sem dinheiro, não moderniza; sem modernizar, perde eficiência e clientes; perdendo clientes, tem menos dinheiro.

A qualidade do serviço também entra em xeque. Embora tenha havido melhorias pontuais, a percepção do consumidor ainda é afetada por prazos mais longos e preços muitas vezes superiores aos das transportadoras privadas parceiras dos marketplaces. A agilidade exigida pelo consumidor moderno, que quer a entrega “para amanhã” ou “same day delivery” (mesmo dia), exige uma estrutura flexível que a burocracia de uma empresa pública gigante tem dificuldade em oferecer. A rigidez nas contratações e nas compras, impostas pela lei das estatais, torna a reação dos Correios lenta diante das mudanças velozes do mercado digital.

Futuro da empresa e medidas de gestão

O cenário desenhado pelos números de setembro de 2025 impõe decisões difíceis para o governo federal. A manutenção do status quo tornou-se financeiramente insustentável. A gestão da empresa anunciou que está trabalhando em um plano de recuperação que envolve a revisão de contratos, a otimização da rede de agências (com o fechamento ou fusão de unidades deficitárias) e o lançamento de novos serviços digitais e logísticos voltados para o mercado internacional e para pequenas e médias empresas, onde ainda há espaço para crescimento.

Há também uma discussão sobre a diversificação de receitas. Estuda-se transformar a capilaridade das agências em “balcões de cidadania” mais robustos, oferecendo serviços bancários, emissão de documentos e parcerias com outros órgãos do governo, sendo remunerados por isso. No entanto, analistas são céticos quanto à capacidade dessas medidas de, sozinhas, reverterem um déficit de R$ 6 bilhões. A necessidade de uma reestruturação mais profunda, que pode envolver Programas de Demissão Voluntária (PDV) para reduzir a folha ou a venda de ativos imobiliários ociosos, está na mesa, embora enfrente resistência sindical e política.

O debate sobre a privatização, que parecia ter esfriado no atual governo, volta a ser ventilado por economistas liberais e pela oposição no Congresso como a única saída viável a longo prazo. O argumento é que o Estado não tem mais capacidade de investimento para manter os Correios competitivos na era da logística 4.0. Por outro lado, o governo defende o papel social da empresa e a soberania logística, rejeitando a venda, mas cobrando resultados de eficiência. O empréstimo bilionário que está sendo negociado agora comprará tempo, talvez um ano ou dois, mas não resolverá o dilema existencial da maior empresa de logística da América Latina: como ser pública, universal e lucrativa em um mercado dominado pela eficiência privada e pela tecnologia de ponta.

0 0 votos
Classificação do artigo
Inscrever-se
Notificar de
0 Comentários
mais antigos
mais recentes Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários