Governo acelera PL para regular redes sociais

Ministro das Comunicações anuncia avanço na elaboração de projeto que pode responsabilizar plataformas digitais por conteúdos, proposta divide opiniões entre proteção e risco à liberdade de expressão.

Ministro das Comunicações Frederico de Siqueira Filho em coletiva de imprensa
Frederico de Siqueira Filho, ministro das Comunicações, confirma que regulamentação das redes sociais é prioridade do governo para 2025

O Ministério das Comunicações confirmou nesta terça-feira, 2 de dezembro, que a regulamentação das redes sociais tornou-se prioridade absoluta no governo federal para 2025. O ministro Frederico de Siqueira Filho declarou que um grupo interministerial trabalha na formatação de um texto definitivo a ser encaminhado ao Congresso Nacional nos próximos meses. A iniciativa visa estabelecer regras para responsabilização de plataformas digitais por conteúdos publicados, combater desinformação e proteger usuários vulneráveis no ambiente virtual. Esta movimentação representa nova tentativa do governo Lula de aprovar legislação sobre o tema após o fracasso do controverso PL das Fake News.

A proposta em discussão reúne pastas estratégicas como Justiça, Direitos Humanos, Comunicação e áreas ligadas à segurança da infância. Segundo informações divulgadas pelo próprio Ministério das Comunicações, os principais eixos debatidos concentram-se no enfrentamento a discursos de ódio, prevenção de crimes digitais e combate à propagação de informações falsas. A regulamentação pretende atualizar o Marco Civil da Internet, vigente desde 2014, que atualmente estabelece responsabilização civil das plataformas apenas mediante descumprimento de ordem judicial. Especialistas apontam que esse modelo tornou-se lento e ineficaz diante da velocidade de propagação de conteúdos nocivos.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou pela primeira vez a intenção de regulamentar as big techs em agosto deste ano, após repercussão de denúncias do influenciador Felca sobre exploração infantil nas redes. Em entrevista à BandNews FM, o presidente defendeu que é necessário criar o mínimo de comportamento e procedimento no funcionamento das plataformas digitais. Lula argumentou que ninguém assume responsabilidade pelo conteúdo compartilhado e que as grandes corporações tecnológicas faturam bilhões globalmente enquanto resistem à fiscalização. A fala presidencial ganhou força após críticas do governo americano sobre supostas restrições à liberdade de expressão no Brasil.

Proposta governamental prevê novas obrigações

O texto em elaboração propõe três obrigações centrais para as plataformas digitais brasileiras. Primeiro, o dever de precaução e prevenção, que responsabilizaria empresas pela remoção imediata de conteúdos considerados ilícitos pela legislação nacional, dispensando ordem judicial em casos como terrorismo, pedofilia e violações ao direito do consumidor. Segundo, transparência algorítmica, exigindo que plataformas expliquem como seus sistemas de recomendação funcionam e priorizem conteúdos. Terceiro, proteção especial a grupos vulneráveis, com atenção redobrada a crianças, adolescentes e vítimas de discursos de ódio.

A criação de um comitê de fiscalização representa um dos pontos mais controversos da proposta. Esse colegiado seria formado por órgãos como Anatel, Autoridade Nacional de Proteção de Dados e Conselho Administrativo de Defesa Econômica. O grupo teria poderes para punir empresas que descumprissem normas estabelecidas, com sanções variando desde multas substanciais até suspensão temporária de operações no território brasileiro. Discussões preliminares apontam para possibilidade de bloqueio administrativo de plataformas pela ANPD por até 60 dias, sem necessidade de autorização judicial prévia.

O Marco Civil da Internet, legislação atual que rege o funcionamento das redes sociais no país, estabelece no artigo 19 que plataformas somente podem ser responsabilizadas civilmente por conteúdos de terceiros caso descumpram ordem judicial determinando remoção. Defensores desse modelo argumentam que ele garante segurança jurídica e protege a liberdade de expressão, evitando que empresas removam conteúdos excessivamente por receio de processos. Contudo, críticos consideram o mecanismo inadequado para enfrentar desafios contemporâneos como fake news e incitação à violência, cujos danos ocorrem rapidamente e em escala massiva.

Controle das plataformas digitais gera polêmica

A retomada da pauta como prioridade governamental decorre da consolidação das redes sociais como principal fonte de informação para parcela significativa da população brasileira. Estudos recentes demonstram que mais de 70% dos brasileiros consomem notícias primariamente através de plataformas como Facebook, Instagram, TikTok e X. Esta realidade amplia preocupações sobre disseminação de conteúdos falsos, manipulação de narrativas e vulnerabilidade de públicos específicos, especialmente crianças e adolescentes expostos a riscos como aliciamento, pornografia infantil e desafios virtuais perigosos.

O ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou em agosto que grandes empresas tecnológicas faturam bilhões globalmente mas resistem à fiscalização porque muitas lucram incentivando ou facilitando crimes hediondos. Costa citou especificamente pedofilia, tráfico de crianças, prostituição, tráfico de drogas e fraudes financeiras. A declaração repercutiu negativamente entre parlamentares de oposição, que enxergaram tentativa de estabelecer censura prévia disfarçada de proteção social. Deputados federais questionaram critérios técnicos para definir o que configura conteúdo ilícito passível de remoção administrativa.

A primeira-dama Janja da Silva intensificou o debate em maio ao pedir publicamente intervenção do governo chinês sobre o TikTok durante viagem oficial à China. A manifestação gerou críticas de parlamentares que classificaram o episódio como ingerência em plataforma estrangeira e ameaça à soberania corporativa. Janja defendeu que o aplicativo precisa enfrentar com rigor a exploração de menores e a disseminação de conteúdos violentos. O presidente Lula reforçou a posição afirmando que não é possível que tudo tenha controle exceto empresas de aplicativo.

Regulação enfrenta resistência no Legislativo

O atual presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, sinalizou cautela em relação à pauta ao declarar que não legislar também é uma posição válida. A frase sugere resistência parlamentar à aprovação de regras mais rígidas para plataformas digitais, refletindo memória recente do fracasso do PL das Fake News em 2023. Aquela proposta, que tinha apoio do então presidente da Câmara Arthur Lira, naufragou após intenso lobby das big techs e mobilização de setores que alegaram risco de censura governamental. Analistas políticos avaliam que o tema permanece polarizado.

Deputados da oposição argumentam que a regulamentação proposta pelo governo representa pretexto para censurar opiniões divergentes e críticas às instituições governamentais. Eles citam decisões polêmicas do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que ordenou remoção de conteúdos e suspensão de perfis acusados de disseminar notícias falsas sobre o sistema eleitoral. Empresas como X, YouTube e Meta foram afetadas por determinações judiciais controversas, gerando tensão diplomática com o governo dos Estados Unidos e acusações de violação à liberdade de expressão.

O governo dos Estados Unidos criticou abertamente o modelo regulatório brasileiro em carta oficial que afirmou que big techs norte-americanas não aceitam ser regulamentadas por países estrangeiros. O documento citou ataques contínuos do Brasil às atividades comerciais digitais de empresas americanas e acusou o STF de violar a liberdade de expressão com ordens de censura secretas e ilegais. Em julho, o Departamento do Tesouro americano incluiu o ministro Alexandre de Moraes na lista de indivíduos sancionados pela Lei Magnitsky, que impõe sanções severas a instituições financeiras que mantêm relações com pessoas sancionadas.

Supremo Tribunal Federal julga responsabilidade

Paralelamente à tramitação legislativa, o Supremo Tribunal Federal retomará em breve o julgamento do Recurso Extraordinário 1037396, que trata da responsabilidade das plataformas por conteúdos gerados por terceiros. O processo, considerado pelos ministros como o mais importante do ano, está sob relatoria do ministro Dias Toffoli. Ele propõe que plataformas sejam responsabilizadas independentemente de notificação judicial quando impulsionam, moderam ou recomendam conteúdo ilícito. Esta interpretação alinha-se à posição defendida pelo governo federal e pode influenciar substancialmente o texto final do projeto de lei.

A Advocacia-Geral da União acionou o Supremo em maio solicitando medidas urgentes contra desinformação e violência digital nas redes sociais. O órgão argumentou que a atual legislação mostra-se insuficiente para enfrentar ameaças contemporâneas à democracia e aos direitos fundamentais. O julgamento pode ser retomado após pedido de vista do ministro André Mendonça, com data de apreciação a ser definida pelo presidente da Corte, Luís Roberto Barroso. Ministros indicam que a decisão estabelecerá parâmetros fundamentais para regulação do ambiente digital brasileiro.

Especialistas em direito digital avaliam que o governo aproveita momento considerado oportuno com a escalada de tensão nas relações Brasil-Estados Unidos e repercussão de casos de exploração infantil nas redes. O vídeo do influenciador Felca denunciando adultização de crianças acumulou mais de 43 milhões de visualizações, sensibilizando opinião pública e criando janela política favorável à regulamentação. Grupos de trabalho foram criados na Câmara para debater mais de 60 projetos relacionados à proteção de menores no ambiente digital.

A proposta governamental inspira-se no modelo regulatório europeu, onde plataformas foram obrigadas a remover 41,4 milhões de conteúdos no primeiro semestre deste ano. A Casa Branca critica duramente o sistema adotado pela União Europeia, considerando-o excessivamente restritivo à liberdade empresarial e à inovação tecnológica. Congressistas brasileiros avaliam que eventual aprovação da regulamentação pode acirrar ainda mais tensões diplomáticas com o governo de Donald Trump, que adotou postura protecionista em relação às corporações tecnológicas americanas.

Questões pendentes incluem definição precisa de critérios técnicos para identificar conteúdos ilegais passíveis de remoção administrativa. O texto preliminar cita como exemplo desinformação sobre políticas públicas, mas não estabelece parâmetros objetivos para caracterização. Juristas alertam para risco de interpretações subjetivas que podem resultar em censura arbitrária de opiniões legítimas. O debate sobre equilíbrio entre proteção social e liberdade de expressão permanece central na discussão legislativa sobre o futuro da internet brasileira.

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