O governo federal estuda implementar uma significativa alteração na política comercial brasileira, com foco direto no equilíbrio das contas públicas para o próximo ano. A equipe econômica, liderada pelo Ministério da Fazenda, avalia elevar as tarifas de importação para setores estratégicos, especificamente o automotivo e o siderúrgico, visando fechar o Orçamento de 2026. A medida, que já consta nas projeções do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), tem como objetivo principal arrecadar cerca de R$ 14 bilhões extras, montante considerado crucial para o cumprimento das metas fiscais estabelecidas pelo arcabouço.
Essa estratégia surge em um momento de forte pressão da indústria nacional, que alega sofrer com a concorrência desleal de produtos importados, majoritariamente da China. A “invasão” de aço e veículos asiáticos com preços competitivos tem gerado pleitos constantes por protecionismo comercial. Segundo técnicos de Brasília, a decisão une a necessidade de caixa do Tesouro com a demanda política por defesa comercial, criando um cenário propício para a implementação dessas barreiras já no início do próximo ciclo fiscal.
Majoração das alíquotas
O setor siderúrgico é um dos principais alvos dessa revisão tarifária. As indústrias de aço no Brasil projetam uma queda na produção local aliada a um aumento superior a 30% nas importações em 2025, o que justifica, na visão dos empresários, a intervenção estatal. A proposta em análise envolve a aplicação de taxas mais rígidas para o aço que entra no país, dificultando a competição do produto estrangeiro e forçando o mercado a consumir o insumo nacional. Essa manobra, embora benéfica para as usinas brasileiras, tende a elevar os custos de toda a cadeia produtiva que depende do metal, desde a construção civil até a fabricação de eletrodomésticos.
No segmento automotivo, a discussão gira em torno da antecipação ou endurecimento do cronograma de retomada do imposto de importação para carros elétricos e híbridos. O setor demanda uma recomposição tarifária que leve a alíquota a 35%, teto permitido pela Organização Mundial do Comércio (OMC). A medida visa conter a entrada massiva de modelos elétricos chineses, que ganharam participação de mercado recorde nos últimos dois anos. Contudo, essa barreira alfandegária terá um efeito colateral imediato: o encarecimento dos veículos para o consumidor final, reduzindo a acessibilidade às novas tecnologias de mobilidade.
Reajuste dos tributos
A inclusão dessa previsão de receita no relatório do Orçamento foi articulada pela senadora Dorinha Rezende (União-TO), relatora de receitas do PLOA. O documento aprovado pela Comissão Mista de Orçamento (CMO) aponta que a “origem da receita” virá justamente desse reajuste sobre itens que apresentam surtos de importação. A manobra contábil permitiu ao governo reduzir a pressão sobre o corte de gastos, transferindo parte do esforço fiscal para o aumento da arrecadação. Essa lógica, no entanto, é vista com ceticismo por analistas, que alertam para o risco inflacionário de taxar insumos básicos da economia.
Além disso, a medida dispensa a necessidade de aprovação complexa no Congresso Nacional para cada produto específico. O Poder Executivo possui a prerrogativa de alterar alíquotas do Imposto de Importação por meio de decreto presidencial ou resolução da Câmara de Comércio Exterior (Camex). Essa agilidade processual torna a aplicação das novas taxas praticamente certa, restando apenas a definição da calibragem exata das porcentagens e a data de vigência. O governo utiliza essa ferramenta como um “botão de emergência” para ajustar a arrecadação conforme a necessidade de cumprir a meta de déficit zero.
Escalada das cobranças
O contexto internacional também favorece a adoção dessas medidas protecionistas. Com a recente postura agressiva dos Estados Unidos sob a ótica de Donald Trump, que prometeu tarifas de 25% sobre diversos produtos globais, houve um redirecionamento de mercadorias chinesas para outros mercados emergentes, incluindo o Brasil. Esse fenômeno, conhecido como “trade diversion”, intensificou o desequilíbrio na balança comercial de manufaturados. O governo brasileiro, portanto, argumenta que não se trata apenas de arrecadação, mas de uma defesa necessária contra o dumping comercial praticado por potências exportadoras.
Por outro lado, a indústria química também figura na lista de possíveis setores afetados pela nova política. Assim como o aço, os produtos químicos enfrentam concorrência feroz e podem ter suas alíquotas revistas para cima. A soma dessas ações cria um ambiente de “custo Brasil” mais elevado para quem depende de importações, mas promete, em tese, estimular a reindustrialização. O desafio será equilibrar a proteção à fábrica nacional sem gerar um choque de custos que inviabilize investimentos ou repasse preços abusivos ao consumidor brasileiro.
Ampliação da barreira fiscal
A projeção de R$ 14 bilhões adicionais é vista como uma “bóia de salvação” para as contas de 2026, ano eleitoral decisivo. Sem essa receita extra, o governo teria que realizar contingenciamentos severos em áreas sensíveis como saúde e educação para não descumprir a legislação fiscal. A escolha política foi clara: onerar a importação para preservar o espaço de gastos discricionários. Essa estratégia, contudo, depende da elasticidade da demanda; ou seja, se o aumento do imposto for excessivo, as importações podem cair drasticamente, frustrando a expectativa de arrecadação e gerando apenas inflação.
Em suma, o brasileiro deve se preparar para um 2026 com produtos importados mais caros e uma indústria nacional mais protegida, porém, possivelmente menos competitiva em preço. A decisão reflete a dificuldade estrutural do Estado em equilibrar suas contas apenas com o crescimento orgânico da economia. Resta aguardar a publicação oficial das novas alíquotas pela Camex para mensurar o tamanho real do impacto no bolso das famílias e no caixa das empresas que operam no país.
