Lula defende BNDES e firma acordos na África

Presidente destaca importância de exportar serviços de engenharia, critica isolamento anterior e reforça parceria de 50 anos com Moçambique, visando infraestrutura e energia.

Escultura prateada com a sigla BNDES em frente ao edifício sede do banco, com fachada de vidro e calçada de pedras portuguesas.
Fachada da sede do BNDES no Rio de Janeiro; governo defende a retomada do financiamento do banco para projetos de infraestrutura no exterior.

A recente visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Moçambique marcou um ponto de inflexão na política externa brasileira, sinalizando o retorno de uma estratégia econômica que divide opiniões, mas que o governo considera vital para a projeção internacional do país. Durante a agenda oficial em Maputo, Lula não apenas celebrou meio século de relações diplomáticas com a nação africana, mas também defendeu enfaticamente a retomada do financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para obras no exterior. A declaração, feita diante de empresários e autoridades locais, recoloca o Brasil no tabuleiro geopolítico africano, ao mesmo tempo em que reacende debates internos sobre a destinação de recursos públicos e a priorização de investimentos nacionais versus internacionais.

Pactos diplomáticos e financiamento externo

A passagem da comitiva presidencial por Moçambique resultou na assinatura de nove atos internacionais que abrangem áreas cruciais como educação, agricultura, saúde e desenvolvimento econômico. No entanto, foi o discurso econômico que capturou a atenção dos analistas e do mercado financeiro. Lula argumentou que o crescimento de países em desenvolvimento, como Moçambique, depende intrinsecamente de infraestrutura robusta, citando portos, estradas e linhas de transmissão como exemplos de obras que empresas brasileiras têm total capacidade técnica para executar. Para o mandatário brasileiro, a ausência de crédito para exportação de serviços de engenharia foi um erro estratégico que retirou o Brasil de mercados onde já possuía vantagem competitiva.

O presidente foi categórico ao afirmar que “o dinheiro aparece quando se tem um bom projeto”, sugerindo que a viabilidade econômica é o principal motor para a liberação de recursos, e não apenas a vontade política. Essa postura indica uma tentativa de modernizar a narrativa sobre o BNDES, afastando-se das controvérsias do passado e focando na lógica de mercado: financiar a empresa brasileira para que ela gere empregos no Brasil enquanto executa serviços fora. A defesa dessa tese ocorre em um momento em que a economia global busca novos polos de crescimento, e a África se apresenta como um continente de oportunidades vastas e ainda pouco exploradas por potências emergentes fora do eixo China-Índia.

Além disso, a retórica presidencial buscou tranquilizar o setor produtivo nacional, garantindo que o retorno desses financiamentos traz benefícios diretos à cadeia industrial brasileira. A lógica apresentada é que, ao financiar uma hidrelétrica em Moçambique, por exemplo, o Brasil exporta turbinas, cimento, aço e conhecimento técnico, movimentando a indústria de base nacional. Contudo, essa estratégia exige um sistema de governança e fiscalização rigoroso para evitar os problemas que levaram à paralisação dessas linhas de crédito em anos anteriores, um ponto que a oposição política no Brasil monitora com lupa e críticas constantes.

Parceria estratégica no continente africano

A relação com a África, segundo Lula, foi negligenciada nos últimos anos, período que ele classificou como “caminhos sombrios” onde o Brasil teria virado as costas para seus parceiros históricos. A visita a Moçambique serviu, portanto, como um ato simbólico de “recobrar a consciência” sobre a importância do Atlântico Sul para a geopolítica brasileira. O presidente destacou que muitas das “sementes lançadas” em seus mandatos anteriores não tiveram tempo de vingar devido à interrupção desse fluxo diplomático, e que agora é o momento de acelerar a colheita através de uma cooperação mais pragmática e menos apenas protocolar.

Moçambique, país de língua portuguesa com o qual o Brasil mantém laços culturais profundos, é visto pelo Itamaraty como uma porta de entrada estratégica para o mercado da África Oriental. O fluxo comercial atual, de apenas 40,5 milhões de dólares em 2024, foi classificado por Lula como “injustificável” e muito aquém do potencial das duas economias. Para reverter esse quadro, o governo aposta na diversificação da pauta exportadora e na transferência de tecnologia, especialmente no agronegócio, onde o Brasil possui expertise mundialmente reconhecida que pode ser adaptada ao solo e clima africanos.

A agenda bilateral também tocou em pontos sensíveis da história compartilhada, com Lula mencionando a “dívida histórica” que não se paga com dinheiro, mas com solidariedade e transferência de conhecimento. Essa abordagem diplomática visa diferenciar a presença brasileira da atuação de outras potências, que muitas vezes adotam uma postura puramente extrativista. Ao propor parcerias em saúde, com a instalação de fábricas de medicamentos, e em educação, com a formação de mão de obra local, o Brasil tenta projetar seu “soft power” como um parceiro do Sul Global preocupado com o desenvolvimento humano, e não apenas com o lucro imediato.

Retorno do investimento estatal internacional

A defesa da internacionalização das empresas brasileiras via BNDES não é apenas uma questão econômica, mas também uma disputa de narrativas sobre o papel do Estado no desenvolvimento. Lula enfatizou que nenhum país grande do mundo consegue exportar serviços de alto valor agregado sem oferecer mecanismos de crédito robustos aos seus compradores. Ele citou indiretamente a competição com nações que subsidiam pesadamente suas indústrias para ganhar mercados externos, sugerindo que o Brasil, ao abrir mão dessa ferramenta, praticou um autoembargo econômico que beneficiou concorrentes internacionais que ocuparam o espaço deixado pelas empreiteiras brasileiras.

O modelo proposto envolve garantias soberanas e uma análise de risco criteriosa, tentando afastar o fantasma da inadimplência que assombra o debate público brasileiro quando o assunto é crédito para países vizinhos ou africanos. O presidente assegurou que o BNDES está sendo recuperado para atuar com critérios técnicos, visando a “viabilidade econômica” dos projetos. A intenção é financiar a exportação de bens e serviços, o que significa, na prática, que o dinheiro sai do banco brasileiro direto para a empresa brasileira exportadora, e o país estrangeiro assume a dívida em dólar ou outra moeda forte, pagando juros ao Brasil.

Entretanto, a implementação dessa política enfrenta resistência interna e desafios de comunicação. Parte da sociedade e do Congresso vê com ceticismo o envio de recursos para fora, especialmente em um cenário de restrições orçamentárias domésticas. O governo terá, portanto, o desafio de demonstrar, com dados e transparência, que cada real financiado para fora retorna multiplicado para a economia interna em forma de impostos, empregos e manutenção da capacidade industrial instalada. A “estabilidade fiscal” e a “previsibilidade” citadas por Lula em seu discurso são, nesse contexto, promessas que precisarão ser testadas na prática.

Cooperação bilateral e desenvolvimento econômico

Entre os acordos firmados, destacam,se iniciativas focadas na transição energética e na proteção ambiental, temas que alinham a agenda Brasil,África às prioridades globais atuais. Lula mencionou especificamente a capacidade do Brasil de colaborar na produção de biocombustíveis em Moçambique, o que geraria empregos locais e reduziria a dependência de combustíveis fósseis importados. Além disso, a experiência da Petrobras foi colocada à disposição para auxiliar na exploração das vastas reservas de gás natural moçambicanas, sugerindo uma parceria técnica que poderia elevar o patamar energético do país africano.

A segurança alimentar foi outro pilar central das conversas. Lembrando o sucesso de programas brasileiros de agricultura familiar e tropical, o presidente ofereceu cooperação técnica para que Moçambique possa garantir sua soberania alimentar. O programa “Mais Alimentos”, que financia a compra de tratores e equipamentos agrícolas brasileiros por pequenos produtores estrangeiros, foi citado como um modelo a ser retomado e ampliado. Essa “diplomacia da comida” é uma ferramenta poderosa de influência, pois ataca diretamente um dos problemas mais urgentes do continente africano e cria laços de dependência positiva e duradoura.

Por fim, a visita reforçou o compromisso com a formação de capital humano. Ao receber o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Pedagógica de Maputo, Lula reiterou a importância da educação como base para qualquer projeto de nação soberana. Os acordos preveem intercâmbio de estudantes e professores, além de suporte para o fortalecimento das instituições de ensino moçambicanas. Ao final da missão, a mensagem deixada foi clara: o Brasil está de volta à África não apenas para vender, mas para construir junto, apostando que o desenvolvimento de seus parceiros é, em última análise, o motor do seu próprio crescimento.

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