A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, adotou um tom de urgência e gravidade nesta sexta-feira (29) ao comentar as recentes derrotas sofridas pelo governo no Congresso Nacional. Após a derrubada de uma série de vetos presidenciais considerados estratégicos para a agenda ambiental e administrativa do Palácio do Planalto, Marina foi categórica ao sugerir que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve acionar o Supremo Tribunal Federal (STF). Para a ministra, a atuação do Legislativo ultrapassou as barreiras do equilíbrio entre os poderes, desfigurando políticas públicas essenciais que foram validadas pelas urnas. A declaração coloca mais lenha na fogueira da já tensa relação entre o Executivo e a bancada majoritária do Congresso.
O centro da discórdia envolve a rejeição, por deputados e senadores, de vetos que protegiam competências do Ministério do Meio Ambiente e impediam o afrouxamento de regras para o licenciamento ambiental e a demarcação de terras. A ministra argumenta que as mudanças forçadas pelo Legislativo ferem cláusulas constitucionais de proteção ao patrimônio ecológico e desorganizam a estrutura da administração federal. Segundo interlocutores, Marina teve uma reunião dura com a articulação política do governo, cobrando uma postura menos passiva e mais combativa diante do que ela classifica como um “retrocesso sem precedentes” imposto pela força do agronegócio e do Centrão.
A judicialização da política, embora vista com cautela por alguns setores do governo que temem um agravamento da crise institucional, é defendida por Marina como a única via restante para salvaguardar os compromissos internacionais do Brasil. Com a proximidade do encerramento do ano legislativo e os olhos do mundo voltados para as metas climáticas do país pós-COP30, a ministra entende que aceitar a derrota legislativa passivamente enviaria um sinal de fraqueza e incoerência. A pressão agora recai sobre a Advocacia-Geral da União (AGU), que deverá preparar os argumentos jurídicos caso o presidente acate a sugestão de sua aliada histórica.
Ministra defende judicialização da pauta
A insistência de Marina Silva em levar a questão à corte máxima do país não é um movimento isolado, mas sim o reflexo de um esgotamento nas negociações políticas tradicionais. A ministra avalia que o Congresso Nacional, em sua atual configuração, tem atuado sistematicamente para esvaziar as atribuições do Poder Executivo, especialmente na área ambiental. Ao defender a judicialização, Marina busca restabelecer o que considera ser a interpretação correta da Constituição, que impõe ao Estado o dever de proteger o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. Para ela, leis ou derrubadas de vetos que promovam o retrocesso ecológico são, por natureza, inconstitucionais.
Essa estratégia, no entanto, carrega riscos políticos elevados que precisam ser calculados milimetricamente pelo núcleo duro do governo. Levar o conflito para o Judiciário pode azedar ainda mais o humor dos presidentes da Câmara e do Senado, dificultando a aprovação de pautas econômicas vitais para o próximo ano. Contudo, Marina argumenta que o custo da inação é maior. Permitir que o Legislativo dite a organização interna dos ministérios e reescreva a legislação ambiental sem contrapesos técnicos seria, na visão da ministra, uma abdicação da autoridade presidencial. A judicialização surge, portanto, como uma ferramenta de defesa da própria governabilidade.
Além disso, a ministra destaca que a derrubada dos vetos não seguiu critérios técnicos, mas sim interesses corporativistas de curto prazo. A análise crítica da situação revela um Legislativo que, muitas vezes, legisla em causa própria ou atendendo a lobbies específicos, ignorando o impacto coletivo e a longo prazo das medidas. Ao clamar pelo STF, Marina tenta trazer a discussão para o campo técnico-jurídico, onde o governo acredita ter mais chances de êxito do que no plenário político, onde a minoria governista é frequentemente atropelada pela maioria oposicionista ou independente.
Executivo avalia recurso no Supremo
Dentro do Palácio do Planalto, a sugestão de Marina divide opiniões e gera debates intensos entre os ministros palacianos. Enquanto a ala ambiental e social apoia integralmente a medida, a ala política, preocupada com a estabilidade da base aliada, pede cautela e diálogo. O presidente Lula, que sempre prezou pela conciliação, encontra-se em uma encruzilhada. Atender ao pedido de Marina significa comprar uma briga direta com o Congresso; ignorá-lo pode significar a perda de apoio de sua base ideológica e o enfraquecimento de uma de suas principais ministras. A decisão final deve levar em conta o termômetro político de Brasília.
A Advocacia-Geral da União (AGU) já iniciou estudos preliminares sobre a viabilidade das ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) que poderiam ser impetradas. O foco seria questionar a forma como as emendas e derrubadas de vetos interferem na prerrogativa do Executivo de se auto-organizar. Existem precedentes no STF que garantem ao presidente a liberdade de definir as atribuições de seus ministérios, o que daria sustentação jurídica ao pleito do governo. No entanto, o tempo da justiça é diferente do tempo da política, e uma liminar poderia suspender os efeitos da decisão do Congresso, criando um limbo jurídico.
O cenário internacional também pesa nessa avaliação estratégica do governo. O Brasil assumiu compromissos ambiciosos de desmatamento zero e transição energética. A legislação que resulta da derrubada dos vetos vai na contramão dessas promessas. Se o governo não reagir, sua credibilidade diplomática pode ser abalada. Lula sabe que sua imagem externa está intrinsecamente ligada à pauta ambiental defendida por Marina. Portanto, o recurso ao Supremo pode ser justificado também como uma necessidade de política externa, para mostrar aos parceiros globais que o Brasil continua firme em seus propósitos, apesar da resistência interna do parlamento.
Silva exige resposta jurídica rápida
A pressa demonstrada por Marina Silva tem razão de ser: a aplicação imediata das novas regras impostas pela derrubada dos vetos pode gerar danos irreversíveis. Processos de licenciamento que estavam travados por questões técnicas poderiam ser liberados, e áreas protegidas poderiam sofrer invasões ou exploração indevida. A ministra alerta que cada dia de vigência dessas normas representa um risco real para biomas sensíveis como a Amazônia e o Cerrado. Por isso, a exigência não é apenas por uma ação judicial, mas por um pedido de medida cautelar que suspenda os efeitos das decisões legislativas até o julgamento do mérito.
A postura firme de Marina reafirma sua posição como uma “guardiã inegociável” dos princípios ambientais dentro do governo. Ela já deixou claro em outras ocasiões que não está no cargo para ser figura decorativa ou para legitimar políticas que considere erradas. Ao cobrar publicamente o presidente e a equipe jurídica, ela coloca seu capital político na mesa. Essa atitude gera desconforto em alguns setores do PT, que prefeririam resolver as questões nos bastidores, mas é aplaudida por ambientalistas e pela sociedade civil organizada que vê nela a única barreira contra o desmonte ambiental.
A resposta jurídica rápida também serviria para pacificar o entendimento dentro da administração pública. Atualmente, servidores do Ibama e do ICMBio vivem um clima de insegurança jurídica, sem saber exatamente quais normas seguir: as técnicas defendidas pelo Ministério ou as novas impostas pelo Congresso. Essa paralisia institucional é prejudicial para o país, travando investimentos sérios e abrindo brechas para a ilegalidade. A intervenção do STF traria, ao menos, clareza sobre qual regra deve prevalecer enquanto se discute a constitucionalidade das mudanças.
Impasse dos vetos no tribunal
Caso a questão chegue efetivamente ao Supremo Tribunal Federal, o impasse político se transformará em uma batalha de interpretação constitucional. Os ministros da corte terão que decidir até onde vai o poder do Legislativo de alterar a estrutura do Executivo e de legislar sobre temas ambientais de forma que possa configurar retrocesso social. A jurisprudência recente da corte, especialmente em temas como o Marco Temporal das terras indígenas, sugere uma tendência de proteção aos direitos fundamentais e ao meio ambiente, o que favoreceria a tese de Marina e do governo Lula.
Entretanto, o STF também vive um momento de tensão com o Congresso, que discute propostas para limitar os poderes dos magistrados. Uma decisão favorável ao governo neste momento poderia ser interpretada pelos parlamentares como uma interferência indevida e uma afronta à soberania popular representada pelo voto legislativo. Os ministros do Supremo terão que agir com prudência e técnica apurada para fundamentar suas decisões, evitando que o tribunal se torne o único árbitro de todas as disputas políticas nacionais, o que desgasta a instituição a longo prazo.
Em última análise, o episódio revela a fragilidade do presidencialismo de coalizão brasileiro atual, onde o Executivo, mesmo eleito, tem dificuldades imensas para implementar seu programa de governo diante de um Legislativo empoderado e autônomo. A judicialização é um remédio amargo e de efeitos colaterais imprevisíveis, mas parece ser a única opção deixada para um governo que se vê cercado. A decisão de Lula nos próximos dias definirá não apenas o futuro da política ambiental, mas também o tom da relação entre os três poderes para o restante do mandato. O Brasil assiste, apreensivo, a mais um capítulo dessa queda de braço institucional.
