Moraes manda peritos da PF fazerem laudo sobre saúde do general Augusto Heleno

Ministro aponta divergência entre relato do general sobre doença desde 2018 e laudo da defesa de 2025, decisão sobre regime domiciliar depende de perícia oficial completa.

General Augusto Heleno em evento oficial antes da prisão decretada pelo STF
General Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Moraes exige perícia da PF em 15 dias para confirmar demência de Heleno. Entenda a contradição nas datas do diagnóstico e o pedido de prisão domiciliar.

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta segunda-feira (1º) a realização de uma perícia médica oficial e detalhada no general da reserva Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). A decisão paralisa temporariamente a análise do pedido de prisão domiciliar humanitária feito pela defesa, condicionando qualquer benefício à comprovação inequívoca do estado de saúde mental do militar. Heleno, que cumpre pena de mais de 20 anos de reclusão no Comando Militar do Planalto após condenação por envolvimento na tentativa de golpe de Estado, alega sofrer de uma “demência mista”, combinando Alzheimer e demência vascular.

O despacho de Moraes estabelece um prazo rígido de 15 dias para que peritos da Polícia Federal (PF) apresentem um laudo conclusivo. A ordem é para uma devassa clínica: o ministro exigiu não apenas uma avaliação presencial, mas também a realização de exames laboratoriais específicos, como níveis de vitamina B12 e função tireoidiana, além de testes neuropsicológicos e de imagem, incluindo ressonância magnética e PET scan, se necessários. O objetivo é mapear com precisão científica as funções cognitivas do general, especialmente sua memória, e determinar se o ambiente carcerário atual representa de fato um risco irreversível à sua integridade física, conforme argumentam seus advogados.

Divergências no diagnóstico clínico apresentado

O ponto central que motivou a desconfiança do relator e a consequente ordem de perícia reside no que Moraes classificou como “informações contraditórias” constantes nos autos. Durante o exame de corpo de delito realizado no momento de sua prisão, em novembro, o próprio Augusto Heleno teria informado à médica legista que convive com o diagnóstico de Alzheimer desde o ano de 2018. Essa declaração, registrada em documento oficial, colide frontalmente com a tese apresentada posteriormente por sua defesa técnica, que anexou laudos datados de janeiro de 2025 (ou final de 2024) como marco definitivo da doença.

A discrepância de sete anos não é um mero detalhe burocrático. Se Heleno sofria de Alzheimer desde 2018, questiona-se como ele exerceu o cargo de ministro-chefe do GSI durante todo o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), uma posição que exige acuidade mental máxima para lidar com segredos de Estado e a segurança presidencial. Moraes cobrou explicitamente que a defesa esclareça se a Presidência da República ou os serviços médicos oficiais foram notificados sobre essa condição na época. Os advogados do general argumentam que a fala do cliente sobre 2018 foi um equívoco fruto da própria confusão mental causada pela enfermidade, reiterando que o diagnóstico formal e o agravamento são recentes.

Pleito humanitário versus rigor penal

A solicitação de prisão domiciliar baseia-se no princípio da dignidade da pessoa humana e no Estatuto do Idoso, considerando que Augusto Heleno tem 77 anos e, segundo sua defesa, necessita de cuidados que o sistema prisional, mesmo em uma unidade militar, não pode oferecer em tempo integral. A Procuradoria-Geral da República (PGR), comandada por Paulo Gonet, já havia emitido um parecer favorável à concessão do benefício, reconhecendo a gravidade do quadro de saúde relatado e a idade avançada do réu. Para a PGR, a manutenção do regime fechado poderia acelerar a deterioração cognitiva do general, transformando a pena em uma sentença de morte lenta e indigna.

No entanto, Alexandre de Moraes optou pela cautela antes de chancelar a ida do militar para casa. A decisão reflete o rigor com que o STF tem tratado os condenados do “núcleo duro” da tentativa de golpe. O ministro quer evitar que alegações de saúde sejam usadas como salvo-conduto automático para escapar do cumprimento da pena em regime fechado. A perícia da Polícia Federal servirá, portanto, como o fiel da balança: se confirmar a demência severa e a incapacidade de tratamento no cárcere, a domiciliar será quase inevitável; caso contrário, Heleno permanecerá nas dependências do Exército. A defesa sustenta que a medida não é um privilégio, mas uma necessidade médica urgente.

Contexto da condenação no inquérito golpista

É impossível dissociar a situação médica de Heleno do peso histórico de sua condenação. O general foi sentenciado a uma pena dura, superior a duas décadas, pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa. Ele é apontado pelas investigações como um dos mentores intelectuais e operacionais da trama que visava impedir a posse do presidente eleito e manter Jair Bolsonaro no poder à força. Durante o julgamento, provas como gravações de reuniões ministeriais e trocas de mensagens colocaram Heleno no centro das articulações antidemocráticas, o que justifica a severidade da punição imposta pela Corte.

A prisão de um general de quatro estrelas, figura histórica do Exército Brasileiro, já é um fato inédito e de grande repercussão. A discussão sobre sua saúde adiciona uma camada de complexidade política ao caso. Apoiadores do ex-governo utilizam a narrativa da doença para acusar o Judiciário de crueldade, enquanto setores que defendem a punição exemplar temem que a prisão domiciliar seja vista como impunidade. O laudo técnico da PF, portanto, terá também o papel de blindar a decisão judicial de críticas políticas, fundamentando-a exclusivamente em critérios clínicos objetivos e auditáveis.

Impacto na execução da pena

O resultado desta perícia, aguardado para a meados de dezembro, poderá criar jurisprudência para outros réus idosos envolvidos nos mesmos processos. Diversos militares e civis condenados ou investigados pelos atos de 8 de janeiro e pela trama golpista possuem idade avançada e alegam comorbidades. Se o STF estabelecer critérios rígidos de comprovação pericial para Heleno, isso elevará a régua para todos os demais pedidos de “prisão humanitária”. A contradição nas datas, se não for satisfatoriamente explicada pela defesa e corroborada pelos peritos, pode não apenas manter Heleno preso, mas também colocar em dúvida a credibilidade de outras alegações defensivas no futuro.

Enquanto aguarda os exames, Augusto Heleno segue detido sob custódia do Exército. A rotina na unidade militar foi adaptada para recebê-lo, mas a defesa insiste que o ambiente de confinamento é incompatível com o tratamento de uma doença neurodegenerativa progressiva. A sociedade brasileira observa atenta: o desfecho deste episódio dirá muito sobre como a Justiça brasileira equilibra a necessidade de punir crimes contra a democracia com o respeito aos direitos humanos fundamentais dos apenados, independentemente da patente ou do cargo que ocuparam.

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