O Ministério da Justiça publicou nesta quarta-feira, 3 de dezembro, as portarias que oficializam o desligamento de Alexandre Ramagem e Anderson Torres da Polícia Federal. A decisão, assinada pelo ministro Ricardo Lewandowski, atende determinação do Supremo Tribunal Federal após condenação definitiva dos dois delegados por envolvimento na trama golpista de 2022. Esta medida representa um dos desdobramentos mais contundentes do julgamento que abalou as estruturas da segurança pública brasileira, encerrando carreiras construídas ao longo de duas décadas.
As portarias foram divulgadas no início da tarde desta quarta e mencionam expressamente o cumprimento da decisão proferida pela Primeira Turma do STF. O ato administrativo contou com pareceres técnicos do próprio Ministério da Justiça, da Controladoria-Geral da União e da Advocacia-Geral da União. Todos os órgãos ratificaram a necessidade de destituição dos cargos públicos ocupados por Ramagem e Torres, uma vez que as penas impostas ultrapassam um ano em regime fechado. O trânsito em julgado do processo foi declarado em 25 de novembro, após esgotamento dos prazos recursais.
Ramagem ingressou na Polícia Federal em 2005, após graduar-se em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Durante sua carreira, comandou operações de destaque como a Cadeia Velha, ramificação da Lava Jato no Rio de Janeiro, e coordenou a segurança pessoal do então candidato Jair Bolsonaro em 2018. No governo federal, assumiu a direção da Agência Brasileira de Inteligência entre 2019 e 2022, período em que a instituição ficou sob investigação por suposto monitoramento ilegal de autoridades. Em 2022, elegeu-se deputado federal pelo Rio de Janeiro com aproximadamente 59 mil votos.
Desligamento oficializado pelo Ministério da Justiça
A formalização das demissões segue protocolo rigoroso estabelecido pela legislação brasileira para servidores públicos condenados por crimes contra a administração. O Código Penal determina que a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo ocorre automaticamente quando há condenação superior a um ano de reclusão por abuso de poder. Anderson Torres recebeu pena de 24 anos de prisão, enquanto Alexandre Ramagem foi condenado a 16 anos, um mês e 15 dias. Ambas as sentenças foram aplicadas em regime inicial fechado pela gravidade dos delitos.
Torres iniciou sua trajetória na Polícia Federal em 2003 e construiu carreira marcada por posições estratégicas no aparato de segurança. Foi secretário de Segurança Pública do Distrito Federal entre 2019 e 2021, período em que manifestou críticas públicas à gestão de Sergio Moro no Ministério da Justiça. Assumiu o próprio Ministério da Justiça em abril de 2021, permanecendo no cargo até o fim do governo Bolsonaro. Durante os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, Torres estava nominalmente responsável pela segurança do Distrito Federal, mas havia deixado o país dois dias antes.
A condenação de Torres considerou sua atuação em pelo menos duas frentes distintas da tentativa de golpe. Em 30 de outubro de 2022, o Ministério da Justiça articulou operação para que a Polícia Rodoviária Federal dificultasse o acesso de eleitores às urnas. O ministro Alexandre de Moraes registrou que Torres usou o cargo para desvirtuar a realidade das eleições presidenciais. Posteriormente, em janeiro de 2023, Torres viajou para os Estados Unidos dois dias antes das invasões, mesmo após alertas de inteligência sobre risco iminente de ataques.
Afastamento definitivo dos delegados federais
A perda dos cargos públicos implica não apenas o desligamento formal da Polícia Federal, mas também a suspensão de todos os direitos e benefícios vinculados à função. Ramagem e Torres deixam de receber salários, gratificações, adicionais e aposentadorias proporcionais ao tempo de serviço. A legislação brasileira impede que servidores condenados por crimes dolosos contra a administração pública retornem aos quadros do funcionalismo, mesmo após cumprimento integral da pena. Esta medida visa preservar a moralidade administrativa e a confiança institucional.
Ramagem encontra-se atualmente foragido nos Estados Unidos, segundo informações divulgadas pelo site PlatôBR na semana passada. O ministro Alexandre de Moraes determinou a expedição de mandado de prisão e a inclusão do nome do deputado no Banco Nacional de Monitoramento de Prisões. A Polícia Federal foi formalmente comunicada para adotar medidas visando localizar e capturar o condenado. O STF também comunicou à Câmara dos Deputados sobre a perda do mandato parlamentar de Ramagem, que deve ser formalizada pela Mesa Diretora da Casa.
A fuga de Ramagem para Miami foi descoberta após investigação jornalística que identificou sua presença na Flórida enquanto deveria estar sob monitoramento eletrônico no Brasil. A defesa do deputado não se manifestou publicamente sobre as circunstâncias da viagem nem sobre eventual tentativa de retorno ao país. Especialistas em direito penal apontam que a condição de foragido agrava substancialmente sua situação processual, podendo resultar em penas acessórias adicionais. A Interpol pode ser acionada para emissão de alerta vermelho internacional.
Exoneração decorre de condenação no STF
Torres cumpre pena no núcleo de custódia da Polícia Militar do Distrito Federal, popularmente conhecido como Papudinha. A unidade fica localizada no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, e abriga presos em condições especiais de segurança. A defesa do ex-ministro havia solicitado que ele cumprisse a pena na Superintendência da Polícia Federal, argumentando riscos à integridade física devido à sua atuação anterior em cargos públicos sensíveis. O pedido foi negado pelo ministro Alexandre de Moraes.
A Primeira Turma do STF condenou Ramagem e Torres em 11 de setembro por crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. As investigações apontaram participação ativa de ambos na estruturação de um plano para impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Documentos apreendidos pela Polícia Federal indicavam coordenação entre diferentes setores do governo federal para execução simultânea de ações destinadas a desestabilizar o processo democrático.
Ramagem foi especificamente acusado de usar a estrutura da Abin para monitorar ilegalmente adversários políticos e produzir relatórios sigilosos favoráveis a integrantes da família Bolsonaro. A investigação identificou uso do sistema First Mile para rastreamento de dispositivos móveis sem autorização judicial. Entre os alvos do monitoramento estariam o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a deputada Joice Hasselmann e diversos jornalistas. A Controladoria-Geral da União recuperou 120 gigabytes de documentos que subsidiaram as acusações.
Perda de cargo atinge deputado e ex-ministro
Os processos disciplinares internos da Polícia Federal contra Ramagem e Torres continuam tramitando paralelamente à execução penal. Embora a condenação criminal já determine a perda automática dos cargos, as corregedorias da corporação mantêm investigações sobre eventuais infrações funcionais cometidas durante o exercício das funções. Esses procedimentos podem resultar em sanções adicionais registradas nos assentamentos funcionais dos ex-delegados, impedindo futuras tentativas de reintegração.
A decisão do Ministério da Justiça reforça o papel da pasta na execução de determinações judiciais relacionadas a seus subordinados. A Polícia Federal integra a estrutura do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o que confere ao ministro competência para praticar atos de destituição de servidores da corporação. Ricardo Lewandowski assumiu o Ministério da Justiça em janeiro de 2023, após trajetória consolidada no Poder Judiciário, incluindo passagem pelo Supremo Tribunal Federal.
A condenação de Ramagem inclui ainda o pagamento de multa fixada em 50 dias-multa, cada dia correspondendo a um salário mínimo vigente. O valor total alcança aproximadamente 75 mil reais e deve ser quitado após o trânsito em julgado. A pena pecuniária soma-se à reclusão e à perda de direitos políticos pelo período correspondente ao dobro da pena de prisão aplicada. Especialistas calculam que Ramagem permanecerá inelegível por mais de três décadas, inviabilizando qualquer retorno à vida pública.
Torres não foi condenado pelos crimes de dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado, o que reduziu sua pena em relação às acusações iniciais. A defesa apresentou argumentos técnicos que convenceram os ministros da impossibilidade de imputação dessas condutas específicas. Ainda assim, a pena de 24 anos representa uma das mais severas aplicadas no julgamento do núcleo principal da trama golpista. Outros condenados como Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira receberam penas inferiores.
A perda dos cargos de Ramagem e Torres marca encerramento definitivo de carreiras que alcançaram posições estratégicas no sistema de segurança pública brasileiro. Ambos ocuparam funções de confiança nos escalões superiores do governo federal e tinham trânsito privilegiado em círculos políticos e militares. A destituição formal sinaliza compromisso institucional com a responsabilização de agentes públicos envolvidos em tentativas de ruptura democrática, independentemente de suas trajetórias profissionais anteriores.
