Relator da CPI detona voo de Toffoli com advogado do Banco Master

Alessandro Vieira aponta conflito de interesses em viagem para final da Libertadores no Peru, ministro Dias Toffoli assumiu relatoria do caso Master no STF dias antes do embarque.

Senador Alessandro Vieira, usando óculos e terno, discursa ao microfone durante sessão da CPI.
O senador Alessandro Vieira (MDB-SE), relator da CPI do Crime Organizado, cobra explicações sobre a viagem do ministro Dias Toffoli em jato particular com advogado do Banco Master. (Foto: Divulgação/Senado Federal)

O cenário político em Brasília amanheceu sob forte tensão nesta quarta-feira (10). O relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Crime Organizado, senador Alessandro Vieira (MDB-SE), fez duras críticas à conduta do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF). O motivo da indignação foi a confirmação de que o magistrado viajou para Lima, no Peru, em um jato particular, na companhia do advogado Augusto Arruda Botelho. Botelho atua na defesa de Luiz Antonio Bull, ex-diretor de compliance do Banco Master, instituição que está no centro da Operação Compliance Zero e cujos processos foram recentemente avocados pelo próprio Toffoli. A viagem ocorreu para que ambos assistissem à final da Taça Libertadores da América.

Durante a sessão da CPI, Vieira não poupou adjetivos para qualificar o episódio. O parlamentar classificou a “carona” como um sintoma da infiltração de interesses privados nas altas cortes do país. Segundo o relator, é inadmissível que um juiz aceite favores ou compartilhe ambientes de intimidade com advogados de partes que ele julgará dias depois. A aeronave utilizada pertence ao empresário Luiz Oswaldo Pastore, que também possui conexões políticas e empresariais investigadas. O senador destacou que o episódio fere o princípio da impessoalidade e coloca em xeque a lisura das decisões tomadas pelo STF no âmbito do escândalo do Banco Master, que envolve um rombo bilionário e fraudes sistêmicas.

A gravidade da situação aumenta devido ao cronograma dos fatos. Dias Toffoli foi sorteado relator do caso Master no STF na véspera da viagem, dia 29 de novembro de 2025. Logo após retornar de Lima, onde o Palmeiras disputou o título continental, o ministro decretou sigilo absoluto sobre os autos e suspendeu o andamento do inquérito que tramitava na 10ª Vara Federal de Brasília, puxando toda a competência para si. Essa sequência de atos — sorteio, viagem conjunta e decreto de sigilo — foi o estopim para a reação do Congresso Nacional. Alessandro Vieira afirmou que convocará os envolvidos para prestar esclarecimentos, embora ministros do STF tradicionalmente não compareçam a CPIs.

Deslocamento aéreo controverso

O caso do Banco Master é considerado um dos maiores escândalos financeiros recentes. O proprietário do banco, Daniel Vorcaro, chegou a ser preso pela Polícia Federal no Aeroporto de Guarulhos tentando embarcar para o exterior, mas foi solto dias depois sob monitoramento eletrônico. A investigação aponta para crimes de gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Nesse contexto, a proximidade física e social entre o relator do caso na instância máxima e a defesa de um dos principais executivos do banco gera uma crise de credibilidade. O senador Alessandro Vieira chegou a insinuar, em seu discurso, que “o crime organizado financia luxos para garantir impunidade”, referindo-se genericamente às relações promíscuas entre poder público e capital ilícito.

Além disso, a defesa de Toffoli e do advogado Augusto Arruda Botelho nega qualquer irregularidade. Interlocutores do ministro afirmam que a viagem foi um convite de amigos para um evento esportivo e que assuntos processuais não foram tratados durante o voo. Contudo, especialistas em ética jurídica apontam que o Código de Ética da Magistratura recomenda que juízes evitem situações que possam gerar dúvida sobre sua imparcialidade. A simples presença no mesmo jato, bancado por terceiros, cria, no mínimo, um constrangimento institucional. O episódio remete a outras polêmicas envolvendo “caronas” de autoridades, mas ganha peso extra pelo momento delicado que o Judiciário atravessa perante a opinião pública.

A repercussão do caso já mobiliza a oposição e setores independentes do Legislativo. Requerimentos de informação foram protocolados exigindo detalhes sobre a agenda do ministro e os custos da viagem. Há uma pressão crescente para que Toffoli se declare suspeito e deixe a relatoria do caso Master. A Transparência Internacional Brasil emitiu nota alertando para o risco de captura do Estado por interesses particulares. Se comprovado que a viagem foi uma cortesia visando influência futura, o caso pode evoluir para um pedido de impeachment, embora tais processos raramente avancem no Senado.

Carona em jato particular

A Operação Compliance Zero revelou que o Banco Master operava um esquema complexo de venda de “créditos podres” e maquiagem de balanços para atrair investimentos de fundos de pensão e regimes próprios de previdência (RPPS). O prejuízo estimado supera os R$ 50 bilhões. A descoberta de que advogados ligados ao banco têm acesso direto e privilegiado a ministros da corte suprema reforça a narrativa de que o sistema é blindado contra punições efetivas. O senador Marcos do Val (Podemos-ES) pediu cautela para não generalizar, mas o relator Vieira manteve o tom, afirmando que “quem trabalha para lobby de banco que rouba aposentado é financiado pelo crime organizado”.

Nesse sentido, a sociedade civil cobra respostas claras. A hashtag #CPIdoCrime e termos relacionados ao voo de Toffoli figuram entre os assuntos mais comentados nas redes sociais desde a manhã de hoje. A percepção de que existe uma justiça para os ricos e outra para o restante da população é alimentada por episódios onde a intimidade entre julgador e julgado é exposta de forma tão explícita. O STF, institucionalmente, ainda não se manifestou sobre as críticas do senador, mantendo o silêncio habitual em casos que envolvem a conduta pessoal de seus membros fora dos autos.

Todavia, o impacto político pode acelerar a tramitação de propostas que visam limitar os poderes monocráticos dos ministros do STF. A decisão de Toffoli de suspender as investigações da PF e centralizar tudo no Supremo é um exemplo clássico de decisão monocrática que paralisa o trabalho de instâncias inferiores. Parlamentares usam o episódio do voo como argumento para justificar a necessidade de reformas urgentes no Judiciário, visando maior controle e transparência sobre as relações extraprocessuais dos magistrados.

Trajeto conjunto questionado

Por fim, o desfecho deste episódio é incerto, mas o dano à imagem da justiça já está consolidado. A insistência em manter relações sociais ostensivas com partes interessadas em processos bilionários desgasta a autoridade moral do Supremo Tribunal Federal. O relator da CPI, Alessandro Vieira, prometeu incluir o episódio no relatório final da comissão, sugerindo o indiciamento de envolvidos por tráfico de influência, caso surjam provas de contrapartidas. A investigação do Banco Master, que deveria ser técnica e rigorosa, agora está contaminada pela suspeita de favorecimento político.

Portanto, resta aguardar se o ministro Dias Toffoli cederá à pressão para deixar o caso ou se o Supremo fechará questão em defesa de seu integrante. A Polícia Federal, por sua vez, segue com as mãos atadas pela decisão judicial, aguardando autorização para retomar as diligências sobre Daniel Vorcaro e os demais executivos do Master. O voo para Lima, que deveria ser apenas um lazer de fim de semana, transformou-se em um símbolo da crise ética que atravessa a República, expondo as entranhas de um sistema onde as fronteiras entre o público e o privado são, muitas vezes, invisíveis.

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