Rubio define destino de Ramagem: Extradição vira teste de fogo diplomático

Secretário de Estado americano, crítico ferrenho de Alexandre de Moraes, analisará pedido do Brasil sob a ótica de perseguição política, criando tensão inédita entre governos.

Alexandre Ramagem em plano fechado, com expressão pensativa e mão no queixo, ilustrando a tensão sobre sua possível extradição e o impasse diplomático.
Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin e deputado federal: futuro depende de decisão de Marco Rubio sobre pedido de extradição feito pelo Brasil.

A nomeação de Marco Rubio para chefiar o Departamento de Estado dos Estados Unidos no governo de Donald Trump não foi apenas uma sinalização de endurecimento contra regimes de esquerda na América Latina, mas também um aviso claro de que a relação com o Brasil de Luiz Inácio Lula da Silva entraria em uma fase de turbulência. Agora, essa tensão teórica ganha um rosto e um nome: Alexandre Ramagem. O ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e deputado federal (PL,RJ), investigado por liderar uma estrutura de espionagem ilegal conhecida como “Abin paralela”, tornou-se o pivô de uma disputa que transcende as fronteiras judiciais e adentra o complexo jogo de xadrez da geopolítica hemisférica.

Com o avanço das investigações da Polícia Federal (PF) e a iminência de pedidos de prisão ou medidas restritivas severas que poderiam levar Ramagem a buscar refúgio em solo americano, a palavra final sobre sua permanência nos EUA caberá, ironicamente, a Rubio. O senador da Flórida, filho de cubanos e anticomunista convicto, já manifestou publicamente sua desaprovação em relação ao que chama de “censura” e “abusos” do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro. Para analistas de Washington e Brasília, o cenário está desenhado para um conflito institucional: o STF pede a cabeça de Ramagem, e o Departamento de Estado, sob a caneta de Rubio, pode negar com base na cláusula de “crimes políticos”.

A anatomia da Abin paralela e o medo da prisão

Para entender por que o caso Ramagem é tão sensível, é preciso mergulhar nas entranhas do inquérito que apavora o núcleo duro do bolsonarismo. A PF acusa o ex-diretor de instrumentalizar a Abin para monitorar ilegalmente ministros do STF, jornalistas, advogados e adversários políticos do ex-presidente Jair Bolsonaro. O uso do software espião FirstMile, capaz de rastrear a geolocalização de alvos sem autorização judicial, é a prova material que sustenta as acusações de organização criminosa e violação de sigilo. Ramagem, que nega as acusações e classifica o inquérito como uma coleção de “narrativas” e perseguição, sabe que sua liberdade no Brasil está por um fio.

A estratégia da defesa sempre foi desqualificar a investigação como lawfare (uso da lei para perseguição política). No entanto, com a condenação de outros envolvidos nos atos golpistas e o cerco se fechando, a hipótese de uma “saída internacional” ganhou força nos bastidores. Se Ramagem estiver nos Estados Unidos, ou se conseguir chegar lá antes de uma ordem de prisão definitiva, ele entrará na jurisdição americana. O tratado de extradição entre Brasil e EUA é antigo e sólido, mas possui brechas que são interpretadas politicamente. A principal delas é a proibição de extraditar indivíduos acusados de crimes de natureza política ou de opinião. É exatamente nessa brecha que Marco Rubio deve operar.

Rubio versus Moraes: O duelo de titãs

O histórico recente de Marco Rubio em relação ao Brasil indica que ele não será um parceiro dócil das autoridades brasileiras atuais. Em meados de 2025, o então senador já havia subido o tom contra o ministro Alexandre de Moraes, chegando a anunciar medidas de revogação de vistos para autoridades brasileiras que, segundo ele, estariam envolvidas em censura contra cidadãos americanos ou plataformas sediadas nos EUA, como o X (antigo Twitter). Essa postura combativa transforma a análise do caso Ramagem. Não se trata mais apenas de verificar se os requisitos técnicos da extradição foram cumpridos, mas de um julgamento político sobre a legitimidade do próprio processo legal brasileiro.

Se o STF enviar o pedido de extradição Ramagem para Washington, o processo passará primeiro por um juiz americano, que verificará a “dupla tipicidade” (se o crime existe nos dois países) e a “causa provável”. Contudo, mesmo que a justiça americana autorize a entrega, a decisão final de assinar a ordem de rendição é exclusiva do Secretário de Estado. Rubio tem o poder discricionário de vetar a extradição se considerar que o réu não terá um julgamento justo ou se o pedido for politicamente motivado. Dado o seu histórico de declarações, é altamente provável que ele enquadre o caso Ramagem como perseguição a um opositor de direita, negando o pedido e concedendo, na prática, asilo ao brasileiro.

Impacto nas relações bilaterais Brasil e EUA

Uma eventual negativa de Rubio cairia como uma bomba no Palácio do Planalto e na Praça dos Três Poderes. Para o governo Lula, seria a confirmação de que os EUA se tornaram um santuário para golpistas e criminosos que atentaram contra a democracia brasileira. Isso poderia levar a uma retaliação diplomática, esfriando ainda mais as relações comerciais e de cooperação em áreas como meio ambiente e segurança. A diplomacia brasileira, historicamente pragmática, teria que lidar com um parceiro comercial gigante que deslegitima publicamente sua suprema corte.

Por outro lado, para a base bolsonarista, a proteção de Rubio seria a validação internacional da narrativa de que vivem sob uma ditadura judicial. Isso fortaleceria politicamente a oposição no Brasil, que passaria a usar o “selo de aprovação” americano para atacar a credibilidade das investigações da PF. Ramagem, protegido em Miami ou Washington, poderia se tornar uma voz ativa da oposição no exílio, municiando a extrema,direita global com informações e versões sobre a política brasileira, tudo sob o guarda,chuva de segurança da maior potência militar do mundo.

O precedente de Allan dos Santos e o futuro

O caso do blogueiro Allan dos Santos serve como um preâmbulo do que pode acontecer com Ramagem. Foragido nos EUA há anos, Allan nunca foi extraditado, apesar dos mandados de prisão expedidos pelo STF. A justificativa americana sempre girou em torno da liberdade de expressão, um valor absoluto na constituição deles. Com Ramagem, a acusação é mais grave (espionagem de Estado), o que tecnicamente facilitaria a extradição, pois espionagem ilegal é crime grave também nos EUA. Porém, a narrativa de que ele agia para “proteger o presidente” ou que a investigação é viciada pode ser suficiente para Rubio aplicar o veto político.

Além disso, a presença de Ramagem nos EUA pode ter desdobramentos de inteligência. Como ex-chefe da Abin, ele detém segredos de Estado sensíveis. Há o temor em Brasília de que, em troca de proteção, ele possa compartilhar informações estratégicas com a comunidade de inteligência americana, enfraquecendo a soberania nacional. Esse componente de “segurança nacional” torna o caso ainda mais delicado do que a simples extradição de um criminoso comum. A barganha pela liberdade pode envolver segredos que o Brasil preferiria manter guardados a sete chaves.

A encruzilhada de 2026

O desfecho do caso extradição Ramagem definirá o tom das relações Brasil,EUA para o restante da década. Se Rubio proteger Ramagem, estará declarando guerra diplomática ao STF. Se o entregar, estará traindo sua base ideológica e validando o que ele mesmo chamou de “caça às bruxas”. O pragmatismo pode falar mais alto? Dificilmente, dado o perfil ideológico da nova administração Trump. O mais provável é que o caso se arraste em batalhas jurídicas intermináveis, com Ramagem vivendo em um limbo dourado, servindo como peão em um jogo de poder onde a justiça é apenas mais uma carta no baralho.

O Brasil assiste, impotente, enquanto sua justiça interna depende do humor e da ideologia de um secretário estrangeiro. Para Ramagem, Rubio é a esperança de salvação; para o STF, é o obstáculo final. E para o cidadão comum, resta a constatação de que, no mundo globalizado, a impunidade ou a punição muitas vezes dependem menos do que você fez, e mais de quem são seus amigos do outro lado do oceano.

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