Almir Garnier preso hoje marca desfecho judicial para o único comandante das Forças Armadas que apoiou o plano golpista. O almirante foi detido nesta terça-feira, 25 de novembro, em uma unidade militar da Marinha em Brasília. A ordem de prisão foi expedida pelo ministro Alexandre de Moraes após o STF decretar trânsito em julgado da condenação.
O ex-comandante da Marinha cumprirá pena de 24 anos em regime inicial fechado na Estação Rádio da Marinha. A instalação militar está localizada na Rodovia DF-001, em Santa Maria, a aproximadamente 30 quilômetros do centro de Brasília. O local é conhecido como “fortaleza da Marinha” devido às características de isolamento e segurança rigorosa.
Almir Garnier Santos foi condenado pela Primeira Turma do STF por cinco crimes distintos: organização criminosa armada, tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. A pena total soma 21 anos e seis meses de reclusão, mais 2 anos e seis meses de detenção, além de 100 dias-multa.
Segundo a Procuradoria-Geral da República, Garnier foi o único dos três comandantes das Forças Armadas que manifestou apoio ao movimento golpista. As investigações indicam que ele colocou tropas da Marinha à disposição do então presidente Jair Bolsonaro. Provas reunidas durante a fase de instrução penal comprovaram participação ativa na trama contra a democracia.
Almirante colocou tropas à disposição de Bolsonaro para golpe
A delação do tenente-coronel Mauro Cid foi crucial para a condenação do ex-comandante da Marinha. Ele relatou uma reunião ocorrida em dezembro de 2022, no Palácio da Alvorada, onde Bolsonaro apresentou minuta defendendo ruptura institucional. De acordo com o depoimento, Garnier teria demonstrado apoio explícito à proposta apresentada pelo então presidente.
Os comandantes do Exército e da Aeronáutica na época não aderiram ao plano golpista, segundo apurações. Marco Antônio Freire Gomes, que comandava o Exército, e Carlos de Almeida Baptista Júnior, da Aeronáutica, recusaram-se a participar. Essa recusa dos outros comandantes isolou Garnier como único apoiador militar de alta patente entre os chefes das Forças.
O desfile inédito de tanques da Marinha na Praça dos Três Poderes pesou significativamente na condenação. A demonstração militar ocorreu em agosto de 2021, no mesmo dia da votação da PEC do voto impresso no Congresso Nacional. Para a PGR, a ação foi planejada nos bastidores do governo para intimidar parlamentares durante votação sensível.
A ausência de Garnier na cerimônia de transmissão de cargo ao novo comandante da Marinha também foi considerada pelo STF. O ato simbólico ocorreu já no início do governo Lula e demonstrou ruptura com protocolos tradicionais. Essa quebra de hierarquia militar foi interpretada como manifestação política contra o resultado eleitoral.
Defesa contesta condenação e aponta contradições em depoimentos
A defesa de Almir Garnier apresentou embargos infringentes ao STF na segunda-feira, 24, véspera da prisão. Os advogados pedem anulação do processo, absolvição total do militar e, subsidiariamente, revisão da pena aplicada. O recurso argumenta incompetência do STF para julgar o caso, solicitando remessa à primeira instância.
Os advogados apontam contradições entre relatos dos ex-comandantes Freire Gomes e Baptista Júnior sobre a reunião crucial. Um afirmou que houve oferta de tropas por Garnier; outro disse apenas que o almirante se colocou ao lado do presidente por respeito hierárquico. Essas divergências são usadas pela defesa para questionar credibilidade das acusações.
A defesa também questiona consistência da delação de Mauro Cid, alegando omissões e incompatibilidades no depoimento. Segundo os advogados, não há ligação direta comprovada entre Garnier e os atos antidemocráticos ocorridos. O recurso pede suspensão de todos os efeitos penais e extrapenais da condenação, com revogação imediata das medidas restritivas.
Os embargos infringentes protocolados dificilmente serão admitidos, pois esse mecanismo só é possível quando ao menos dois ministros divergem. No julgamento de Garnier, não houve divergência entre os ministros da Primeira Turma. O prazo para apresentação dos segundos embargos de declaração encerrou-se na segunda-feira.
Estação Rádio da Marinha é considerada fortaleza militar estratégica
A Estação Rádio da Marinha em Brasília foi criada por decreto em 1960 para ser estação central do Serviço Fixo da Marinha. As primeiras transmissões foram realizadas ainda em abril daquele ano, a partir de prédio da Caixa Econômica Federal. Em maio de 1960, a ERMB iniciou provisoriamente suas atividades na capital federal.
Devido ao aumento do tráfego de mensagens e atribuição de novas tarefas, surgiu necessidade de construção de novas instalações. A partir de 13 de novembro de 1985, a ERMB passou a operar nas instalações atuais. Em junho de 1987, assumiu função de Estação Rádio Principal e começou a operar redes estratégicas importantes.
Atualmente, a unidade opera a Rede Naval Interamericana de Telecomunicações, criada em março de 1962 durante conferência no Chile. A RNIT mantém intercâmbio de comunicações entre comandos navais de países participantes. Além de informações operativas, a rede também coordena ações frente a catástrofes naturais na região.
A ERMB conquistou o prêmio de Melhor Estação da RNIT por treze vezes desde 1989, sendo quatro consecutivas. Esse reconhecimento internacional atesta profissionalismo e dedicação dos integrantes da instalação. A infraestrutura voltada para comunicações e operações sensíveis torna o local ideal para custódia de militares de alta patente.
Homenagens a Garnier na Bahia geram constrangimento após condenação
Almir Garnier Santos, natural do Rio de Janeiro, recebeu em maio de 2018 o Título de Cidadão Baiano da Assembleia Legislativa. A homenagem foi proposta pelo deputado Angelo Almeida após sugestão quando Garnier comandava o 2º Distrito Naval. O parlamentar, atual secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, afirmou sentir-se honrado pela proposição à época.
Em novembro de 2019, o ex-chefe do 2º Distrito Naval recebeu a Comenda 2 de Julho, maior honraria do Parlamento baiano. Na ocasião, ele ocupava posto de secretário-geral do Ministério da Defesa no governo Bolsonaro. A homenagem foi proposta pelo ex-deputado e ex-presidente da Casa, Marcelo Nilo, em cerimônia oficial realizada na Alba.
As duas homenagens concedidas pela Assembleia da Bahia a Garnier agora causam constrangimento após a condenação. Títulos honoríficos normalmente são concedidos a personalidades exemplares, reconhecidas por contribuições positivas à sociedade. A participação comprovada em trama golpista contradiz completamente os valores que justificaram as honrarias recebidas.
Não há informações sobre eventual cassação dos títulos concedidos a Garnier pela Alba até o fechamento desta matéria. Assembleias legislativas podem revogar homenagens quando os agraciados cometem atos incompatíveis com a dignidade do título. A jurisprudência brasileira permite esse tipo de revisão quando fatos graves posteriores justificam a medida.
Prisão integra série de detenções do núcleo golpista nesta terça
Além de Almir Garnier, outros condenados no processo da trama golpista foram presos nesta terça-feira. Os generais Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira foram detidos e levados ao Comando Militar do Planalto. Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, também teve prisão decretada após condenação pela Primeira Turma do STF.
Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, recebeu pena de 21 anos de prisão em regime fechado. Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, foi condenado a 19 anos de reclusão. Ambos integravam o chamado “núcleo 1” da trama, considerado crucial pela PGR para articulação do golpe.
Jair Bolsonaro recebeu a maior pena do grupo: 27 anos e 3 meses de prisão em regime fechado. A condenação foi por liderar organização criminosa que tentou impedir posse do presidente Lula. Walter Braga Netto, general da reserva, já estava preso preventivamente desde dezembro de 2024 aguardando julgamento.
O deputado federal Alexandre Ramagem teve ordem de prisão decretada no último domingo, mas deixou o Brasil em setembro. Ele era diretor da Agência Brasileira de Inteligência durante o governo Bolsonaro. Com as detenções de hoje, aumenta significativamente o número de condenados que já começaram a cumprir pena.
STF solicita análise sobre perda de patente dos militares condenados
O Supremo Tribunal Federal solicitou que o Superior Tribunal Militar e a Procuradoria Geral do Ministério Público Militar decidam sobre perda de patente dos condenados. Bolsonaro, Garnier, Heleno, Nogueira e Braga Netto podem perder suas patentes militares. A avaliação funciona como segundo julgamento específico para militares.
Essa possibilidade existe porque os cinco foram condenados por crimes graves, com penas que ultrapassam 20 anos de prisão. A legislação militar brasileira prevê perda de posto e patente para oficiais condenados por crimes dolosos. A decisão caberá especificamente ao Superior Tribunal Militar após análise técnica do caso.
A perda de patente implica consequências adicionais além da prisão, incluindo suspensão de benefícios militares e pensões. O militar perde direito a usar uniformes, distintivos e títulos relacionados à carreira. Trata-se de medida administrativa que complementa a condenação criminal imposta pelo STF.
O processo no STM tramita paralelamente ao cumprimento da pena no sistema penal comum. Não há prazo definido para conclusão da análise sobre perda de patente. Precedentes indicam que casos envolvendo alta patente costumam demorar meses ou até anos para julgamento final no tribunal especializado.
A prisão de Almir Garnier representa marco simbólico importante no processo de responsabilização dos envolvidos na trama golpista. Como comandante da Marinha, ele ocupava uma das mais altas posições na hierarquia militar brasileira. Sua condenação demonstra que não há imunidade institucional para crimes contra a democracia estabelecida.