Gilmar Mendes barra AGU e anula impeachment por cidadão comum no STF

Ministro mantém decisão que centraliza denúncias na PGR, aumenta quórum de votação no Senado e classifica recurso da Advocacia-Geral como erro processual grave.

Ministro Gilmar Mendes, do STF, sentado em sua cadeira no tribunal, usando toga e óculos durante uma sessão.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, durante uma sessão da Corte em Brasília. (Foto: Nelson Jr./SCO/STF)

O ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), proferiu nesta quinta-feira (4) uma decisão que altera profundamente a relação entre a sociedade e o Poder Judiciário, ao rejeitar sumariamente o recurso da Advocacia-Geral da União (AGU) e manter a suspensão do direito de qualquer brasileiro apresentar pedidos de impedimento contra magistrados da Corte. A determinação reforça o entendimento de que tais iniciativas, quando partem de indivíduos sem filtro institucional, servem apenas como ferramentas de desestabilização política e intimidação, consolidando um novo cenário onde apenas a Procuradoria-Geral da República (PGR) detém a chave para iniciar esses processos.

Denúncia de qualquer pessoa

A decisão de Gilmar Mendes não apenas negou o pedido de reconsideração formulado por Jorge Messias, advogado-geral da União, mas também utilizou termos duros para classificar a tentativa do governo de reverter a liminar. Segundo o ministro, a denúncia de qualquer pessoa contra integrantes da Suprema Corte, prevista originalmente na Lei 1.079/1950, tornou-se um mecanismo obsoleto e perigoso no contexto atual de polarização extrema.

Para o decano, o ordenamento jurídico brasileiro não prevê a figura do “pedido de reconsideração” em decisões dessa natureza, o que tornou a solicitação da AGU “manifestamente incabível”. Mendes argumentou que a manutenção da regra antiga permitia um fluxo descontrolado de ataques institucionais disfarçados de recursos jurídicos. Dessa forma, a blindagem imposta visa, segundo o texto da decisão, proteger a independência do Judiciário contra ondas de retaliação política que não possuem embasamento técnico ou jurídico sustentável.

Além disso, a decisão estabelece que a legitimidade para processar tais crimes de responsabilidade deve passar por um crivo técnico rigoroso. A centralização na PGR atua como um filtro de admissibilidade, impedindo que divergências ideológicas ou descontentamentos com votos proferidos em plenário se transformem em aventuras jurídicas no Senado Federal. A medida, portanto, encerra uma era em que parlamentares e cidadãos utilizavam o protocolo de pedidos como arma de retórica nas redes sociais.

Pedido de afastamento popular

Ao analisar o mérito da questão, a decisão impacta diretamente o conceito histórico de pedido de afastamento popular, que era visto por juristas clássicos como uma ferramenta de controle democrático sobre os poderes da República. Contudo, a interpretação atual do STF é que esse instrumento foi desvirtuado. O argumento central é que a facilidade de protocolo gerou um “estado de coisas inconstitucional”, onde a ameaça de processo se tornou mais frequente do que o próprio debate jurídico.

A AGU, em sua petição, defendia que a restrição imposta por Mendes violava preceitos fundamentais de participação cívica e fiscalização do poder público. Jorge Messias sustentou que limitar a legitimidade ativa apenas ao Procurador-Geral da República cria um desequilíbrio, visto que o PGR é nomeado pelo Presidente da República e, em tese, poderia atuar com viés político ou corporativista. Todavia, Gilmar Mendes refutou essa tese, alegando que a proteção da Corte contra o assédio institucional é prioritária para a manutenção da democracia.

Nesse sentido, a mudança nas regras de quórum também é um ponto crucial da nova jurisprudência. Agora, não basta apenas a vontade política de uma maioria simples para aceitar uma denúncia; é necessário o apoio qualificado de dois terços do Senado Federal. Essa exigência eleva drasticamente a barreira para qualquer tentativa de destituição, equiparando a dificuldade do processo contra ministros do STF àquela observada em processos de impeachment presidencial, garantindo uma estabilidade forçada, porém necessária na visão do decano.

Solicitação de impedimento civil

A repercussão da anulação da solicitação de impedimento civil foi imediata nos bastidores de Brasília, gerando reações mistas entre legisladores e especialistas em direito constitucional. A oposição no Congresso Nacional interpretou a medida como uma “autoblindagem” do Judiciário, argumentando que a Corte está legislando em causa própria ao reescrever trechos de uma lei federal que vigora há mais de sete décadas. Por outro lado, aliados da Corte defendem que a medida é uma resposta proporcional aos ataques sistemáticos sofridos pela instituição nos últimos anos.

O contexto dessa decisão não pode ser ignorado. Nos últimos meses, o Senado acumulou dezenas de petições contra ministros, muitas delas baseadas em discordâncias sobre inquéritos sensíveis, como o das Fake News e o dos Atos Antidemocráticos. Ao retirar a capacidade do cidadão comum de protocolar esses documentos, Gilmar Mendes esvazia uma das principais estratégias de mobilização de grupos políticos que utilizavam o protocolo do Senado como palco para criação de conteúdo digital e engajamento militante.

Ademais, a decisão monocrática ainda será submetida ao referendo do Plenário do STF, em sessão virtual agendada para ocorrer entre os dias 12 e 19 de dezembro. A expectativa é que a maioria dos ministros acompanhe o voto do relator, solidificando o entendimento de que a Constituição de 1988 não recepcionou os dispositivos da lei de 1950 que permitiam tal amplitude na acusação. Isso criaria um precedente irreversível, onde a fiscalização do STF se torna uma atribuição exclusiva de órgãos de controle oficiais, e não mais da sociedade civil organizada.

Requerimento de saída coletiva

Por fim, o bloqueio do requerimento de saída coletiva ou individual por iniciativa popular redesenha o sistema de freios e contrapesos da República. A AGU tentou argumentar que a decisão invadia competências do Legislativo, uma vez que cabe ao Congresso alterar leis que definem crimes de responsabilidade. Entretanto, a resposta do Judiciário foi taxativa ao afirmar que cabe ao STF a palavra final sobre a constitucionalidade das normas, independentemente de sua data de promulgação.

A decisão de Gilmar Mendes também abordou a questão da segurança jurídica. Segundo o ministro, permitir que qualquer pessoa possa iniciar um processo tão traumático quanto o impeachment gera instabilidade econômica e social, afetando a imagem do país no exterior. A “vulgarização” do instituto do impeachment foi citada como um dos motivos para a intervenção judicial, sugerindo que o Brasil precisa amadurecer suas instituições para evitar que crises políticas contaminem o funcionamento normal da justiça.

Em conclusão, o cenário jurídico brasileiro amanhece transformado. O cidadão, que antes possuía a prerrogativa teórica de questionar a conduta de um ministro supremo através de uma denúncia formal ao Senado, agora vê essa porta cerrada. Resta saber como o Congresso reagirá a essa nova limitação e se haverá movimentações para aprovar Emendas Constitucionais que restabeleçam o poder original da lei de 1950, ou se a nova ordem imposta pelo STF se consolidará como o novo normal da democracia brasileira.

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