Uma decisão proferida pelo ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), agitou os bastidores de Brasília nesta semana. Após permanecer estagnado por cerca de dois anos nas gavetas da Corte, o inquérito que investiga o deputado federal Paulinho da Força (Solidariedade,SP) foi oficialmente destravado. A determinação para que a Procuradoria,Geral da República (PGR) se manifeste sobre o caso ocorre em um momento de alta voltagem política, coincidindo precisamente com a atuação de Paulinho como relator do controverso Projeto de Lei da Dosimetria. A movimentação processual, embora descrita por interlocutores do ministro como técnica e sem relação direta com a atividade legislativa, levanta suspeitas e reacende debates sobre a tempestividade das ações do Judiciário frente ao calendário do Congresso.
A investigação em questão debruça,se sobre fatos graves que envolvem a suposta mercantilização de dados trabalhistas. Paulinho da Força é suspeito de capitanear um esquema ilícito de captação de clientes para ações na Justiça do Trabalho. Segundo as apurações iniciais do Ministério Público de São Paulo, que deram origem ao caso, o parlamentar receberia pagamentos mensais na ordem de R$ 100 mil para facilitar o acesso de escritórios de advocacia a listas sigilosas de trabalhadores demitidos, obtidas através de sua influência junto a sindicatos. O inquérito busca esclarecer se houve corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa na triangulação entre o mandato parlamentar, as entidades sindicais e os operadores do direito.
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O “desengavetamento” do processo agora coloca o deputado em uma posição delicada. Enquanto tenta articular a aprovação de um projeto que pode reduzir penas de condenados pelos atos de 8 de janeiro — beneficiando indiretamente o ex,presidente Jair Bolsonaro —, Paulinho vê seu próprio passado jurídico voltar a assombrá,lo. A coincidência temporal entre a entrega do relatório da Dosimetria e o despacho de Mendonça gerou um burburinho inevitável nos corredores da Câmara, onde aliados e adversários tentam decifrar se há uma mensagem subliminar do STF para o relator.
Retomada Investigativa após longo hiato
A Retomada Investigativa ordenada por André Mendonça encerra um período de latência que durava desde 2023. O inquérito havia ficado paralisado aguardando uma definição sobre a competência de foro, uma vez que Paulinho da Força alternou períodos com e sem mandato parlamentar nos últimos anos. A Polícia Federal chegou a questionar o STF se o caso deveria ser remetido à primeira instância quando o deputado estava fora do cargo, mas com seu retorno à Câmara como suplente em novembro de 2023, a prerrogativa de foro foi restabelecida.
Nesta Retomada Investigativa, o despacho do ministro Mendonça, datado de 4 de dezembro mas inserido no sistema apenas no dia 9, solicita que a PGR analise o material coletado e decida os próximos passos. As opções na mesa são claras: o arquivamento por falta de provas, a solicitação de novas diligências policiais ou o oferecimento formal de uma denúncia penal contra o deputado. A Polícia Federal, em ofício enviado em novembro de 2025, cobrou uma definição da Corte, argumentando que a indefinição prejudicava o andamento dos trabalhos.
O timing desta Retomada Investigativa é o ponto nevrálgico da discussão. Pessoas próximas ao ministro André Mendonça garantem, sob reserva, que a decisão foi puramente burocrática e visava limpar a pauta de processos atrasados antes do recesso judiciário. No entanto, no xadrez político de Brasília, onde não existem coincidências, a reativação do caso é lida como um fator de pressão adicional sobre um parlamentar que detém, neste momento, a caneta de um dos projetos mais sensíveis para a relação entre os Poderes.
Suposto Esquema de venda de dados
O Suposto Esquema alvo da investigação revela uma faceta obscura das relações entre sindicalismo e advocacia. A denúncia aponta que a estrutura liderada por Paulinho da Força funcionava como um balcão de negócios, onde informações privilegiadas sobre demissões em massa eram transformadas em mercadoria valiosa. Advogados interessados em “pescar” clientes pagariam uma mensalidade generosa para ter acesso, antes de qualquer concorrente, aos nomes e contatos de trabalhadores recém,desligados de empresas, um público,alvo preferencial para ações trabalhistas.
Detalhes do Suposto Esquema indicam que a operação não era amadora. Contratos de gaveta e pagamentos em espécie estariam entre os métodos utilizados para mascarar a origem dos recursos, que, segundo a acusação, fluíam para o bolso do parlamentar. A investigação mira não apenas Paulinho, mas também dirigentes sindicais que teriam atuado como intermediários, fornecendo as listas brutas que alimentavam a máquina de processos. Se comprovadas, as práticas podem configurar violação de sigilo profissional, além dos crimes de corrupção.
Para o Ministério Público, o Suposto Esquema representa uma privatização ilegal de dados que deveriam ser protegidos pelos sindicatos. Em vez de defender os interesses da categoria de forma desinteressada, a estrutura sindical teria sido cooptada para gerar lucro privado, transformando a demissão do trabalhador em uma oportunidade de negócio para o grupo político do deputado. A gravidade das acusações explica por que o caso, apesar de antigo, mantém seu potencial destrutivo sobre a imagem do parlamentar.
Cenário Político e o PL da Dosimetria
O Cenário Político em que essa investigação ressurge não poderia ser mais complexo. Paulinho da Força assumiu a relatoria do PL da Dosimetria com a missão de construir uma ponte entre a oposição bolsonarista e o centro político. O projeto visa proibir o “concurso material” de crimes (soma das penas) em condenações específicas, o que poderia reduzir drasticamente o tempo de cadeia de envolvidos nos ataques de 8 de janeiro. A medida é vista pelo STF como uma afronta à sua jurisprudência e uma tentativa de anistia branca.
Neste Cenário Político, ter um inquérito reaberto pelo STF coloca Paulinho em uma situação de vulnerabilidade. Críticos do projeto apontam que um relator investigado pela própria Corte pode ter sua isenção comprometida, ou, inversamente, pode usar o projeto como moeda de troca para tentar aliviar sua situação jurídica. A base governista observa com atenção se a pressão judicial fará Paulinho modular seu relatório ou se ele dobrará a aposta no enfrentamento ao Supremo.
Além disso, o Cenário Político traz à tona o histórico de embates de Paulinho com a Justiça. Condenado anteriormente pelo STF no caso dos desvios do BNDES (condenação depois revertida em parte), o deputado é um veterano em batalhas judiciais. Sua sobrevivência política depende de sua capacidade de articulação no Congresso, e a reabertura do inquérito testa se sua blindagem parlamentar continua eficaz diante de um STF cada vez mais assertivo.
Argumento da Defesa nega irregularidades
Diante da reabertura, o Argumento da Defesa de Paulinho da Força segue uma linha de desqualificação total da investigação. Em memoriais enviados ao ministro Mendonça, os advogados do deputado, liderados pelo criminalista Marcelo Leonardo, sustentam que o inquérito se arrasta há anos sem produzir qualquer prova concreta de autoria ou materialidade. A defesa classifica a apuração como “sem rumo” e “sem justa causa”, alegando que a manutenção do inquérito aberto constitui uma violação dos direitos fundamentais do investigado.
O Argumento da Defesa enfatiza a “absoluta fragilidade da prova colhida” até o momento. Segundo os advogados, as acusações baseiam,se em ilações e depoimentos que não foram corroborados por evidências documentais ou financeiras robustas. Eles pedem o arquivamento imediato do caso, argumentando que a Polícia Federal e o Ministério Público tiveram tempo suficiente para investigar e não encontraram nada que justificasse uma denúncia formal.
Além disso, o Argumento da Defesa tenta desvincular o processo judicial da atuação legislativa de Paulinho. Para a defesa, tentar conectar o despacho de Mendonça ao PL da Dosimetria é uma especulação política que não encontra respaldo nos autos. A estratégia é tratar o caso como uma perseguição jurídica requentada, confiando que a falta de elementos novos levará, inevitavelmente, ao encerramento do inquérito pela PGR.
