O clima no Supremo Tribunal Federal (STF) esquentou nesta semana com a nova ofensiva do presidente da Corte, Edson Fachin, para implementar um rigoroso código de conduta interna. A iniciativa, que visa dar mais previsibilidade e transparência às ações do tribunal, foi recebida com desconfiança e irritação por uma ala influente do colegiado. Nos bastidores, magistrados interpretam a medida como uma “camisa de força” que tenta limitar a independência funcional de seus gabinetes.
A proposta de Fachin recupera sugestões apresentadas recentemente pela sociedade civil e por fundações políticas, que defendem o fim das decisões monocráticas (individuais) em casos de grande repercussão. O objetivo central do ministro é institucionalizar a colegialidade, evitando que um único juiz possa suspender leis aprovadas pelo Congresso ou interferir em políticas públicas sem o aval imediato do plenário. Contudo, essa postura de “correção de rumos” é vista por alguns pares como uma crítica velada ao modus operandi de colegas mais ativistas.
Proposta de austeridade
Desde que assumiu a presidência em setembro de 2025, Fachin tem batido na tecla da “austeridade” e da “autocontenção” do Judiciário. O novo código de ética sugerido incluiria regras mais rígidas sobre a agenda dos ministros, especificamente no que tange a encontros privados com políticos e empresários fora dos autos. Para o chefe do Judiciário, essas medidas são essenciais para recuperar a confiança da população na imparcialidade da Justiça, que sofreu desgaste nos últimos anos.
Nesse sentido, a minuta do texto propõe que reuniões institucionais sejam sempre públicas e registradas, reduzindo o espaço para articulações de bastidores que muitas vezes pautam a política nacional. A ideia é blindar a Corte de acusações de partidarismo, transformando o STF em um órgão mais técnico e menos político. Entretanto, a resistência é grande entre ministros que consideram o diálogo político uma ferramenta necessária para a estabilidade democrática.
Além disso, Fachin defende que pedidos de vista (tempo extra para análise) tenham prazos improrrogáveis e curtos, impedindo que processos fiquem travados por anos nas gavetas. Essa mudança atacaria diretamente o poder de agenda individual de cada ministro, obrigando-os a liberar casos polêmicos para julgamento, independentemente da conveniência política do momento. A “previsibilidade” prometida em seu discurso de posse começa agora a cobrar seu preço na convivência interna.
Reação nos bastidores
A insatisfação com o estilo de gestão de Fachin não é de hoje, mas se intensificou com a formalização dessas diretrizes. Relatos de corredores em Brasília apontam que ministros se sentem “vigiados” e consideram que o presidente está agindo mais como um censor do que como um líder entre iguais. A frase “ele está muito nervoso”, atribuída a um ministro em reportagem recente, resume o ambiente de tensão que paira sobre as sessões administrativas.
A ala contrária ao código argumenta que a Constituição já garante as prerrogativas da magistratura e que criar novas amarras internas enfraquece o Supremo diante de ataques externos. Para esse grupo, a liberdade de decidir monocraticamente é vital para agir em emergências, e qualquer restrição soa como uma capitulação às pressões do Legislativo, que também tenta limitar os poderes da Corte através de projetos de lei.
Por conseguinte, a disputa não é apenas sobre regras, mas sobre o perfil que o STF terá até 2027. Enquanto Fachin busca um legado de institucionalidade e “silêncio” midiático, outros ministros acreditam que o Supremo deve manter seu protagonismo ativo na defesa da democracia, mesmo que isso gere ruídos. O “racha” no plenário pode comprometer a aprovação de pautas importantes, já que o presidente precisa de consenso para governar o tribunal.
Fim do monocratismo
Um dos pontos mais sensíveis da proposta é a proibição prática de liminares monocráticas que suspendam a eficácia de leis federais. Pelo texto em discussão, tais decisões precisariam ser referendadas imediatamente pelo plenário ou, em casos extremos, tomadas apenas pela maioria absoluta da Corte. Isso evitaria situações onde uma lei aprovada por 513 deputados e 81 senadores seja derrubada pela caneta de um único juiz.
Essa diretriz dialoga diretamente com as demandas do Congresso Nacional, que há tempos reclama de interferência indevida do Judiciário. Ao encampar essa tese internamente, Fachin tenta desarmar “bombas” legislativas contra o STF, como PECs que visam reduzir os poderes dos ministros. No entanto, seus colegas veem nisso uma concessão perigosa que pode diminuir a autoridade da Corte frente aos outros poderes.
Dessa forma, o código de conduta virou o novo campo de batalha de uma guerra fria interna. De um lado, a presidência buscando blindar a instituição através de regras impessoais; do outro, ministros que defendem suas prerrogativas individuais como cláusulas pétreas de sua atuação. O desfecho desse embate definirá se o STF será um tribunal de 11 ilhas ou um arquipélago conectado.
Crise institucional aberta
A insistência de Fachin em pautar o tema mostra que ele não pretende recuar, mesmo diante do “ressentimento” dos colegas. Sua gestão, marcada pela defesa dos direitos humanos e pelo diálogo, agora enfrenta o desafio de aplicar a “lei” dentro de casa. A sociedade civil, que entregou propostas semelhantes ao ministro em outubro, aguarda para ver se a transparência vencerá o corporativismo.
Caso o código seja rejeitado ou desidratado, a autoridade de Fachin sairá arranhada, sinalizando que a cultura do “cada um por si” ainda impera no Supremo. Por outro lado, se aprovado, será uma revolução silenciosa na forma como a justiça constitucional é feita no Brasil. Os próximos dias serão decisivos para medir a temperatura e a lealdade no edifício-sede da Praça dos Três Poderes.
Finalmente, resta saber se a “irritação” dos ministros transbordará para os votos nos julgamentos, criando obstruções políticas internas. A harmonia entre os onze integrantes é frágil, e a tentativa de impor ética via regimento pode acabar gerando, ironicamente, mais discórdia e instabilidade jurídica.
