Doador com mutação grave gera 197 filhos e espalha câncer

Investigação aponta que homem, conhecido como “Kjeld”, transmitiu Síndrome de Li-Fraumeni para dezenas de famílias em 14 países, falha em triagem expõe brechas na regulação internacional.

Vários espermatozoides com caudas longas e cabeças ovais nadam em direção à direita sobre um fundo preto, simulando uma visualização microscópica de alto contraste com tons de azul e branco.
Ilustração microscópica de espermatozoides; falha no controle de qualidade permitiu que material genético com a mutação TP53 fosse distribuído por anos na Europa. (Foto: Reprodução)

Um escândalo de saúde pública sem precedentes abalou a Europa nesta quarta,feira (10) após a revelação de que um único doador de esperma, portador de uma mutação genética gravíssima, é o pai biológico de pelo menos 197 crianças em 14 países. Uma investigação colaborativa conduzida por redes de televisão públicas europeias descobriu que o doador, identificado pelo pseudônimo “Kjeld” (ou Doador 7069), transmitiu uma falha no gene TP53, associada à Síndrome de Li,Fraumeni. Essa condição rara eleva drasticamente o risco de desenvolvimento de diversos tipos de câncer, podendo chegar a 90% de probabilidade ao longo da vida, inclusive na infância. O caso expõe a fragilidade dos sistemas de triagem genética e a falta de controle sobre os limites de doação transfronteiriça.

O material genético foi comercializado pelo European Sperm Bank (Banco Europeu de Esperma), sediado na Dinamarca, entre os anos de 2005 e 2022. Embora o doador fosse saudável no momento da coleta, ele possuía o que os cientistas chamam de “mosaicismo”: a mutação estava presente apenas em algumas células de seu corpo, especificamente nos espermatozoides, o que a tornou indetectável nos exames de sangue padrão realizados na época. A falha só foi descoberta tardiamente, quando crianças concebidas com o sêmen começaram a ser diagnosticadas com cânceres agressivos, como leucemia e linfoma, levando médicos a conectarem os pontos e alertarem as autoridades de saúde.

A revelação gerou pânico entre milhares de famílias que recorreram à fertilização in vitro nas últimas duas décadas. O número de 197 filhos confirmados é considerado conservador e pode ser apenas a “ponta do iceberg”, já que muitos países não possuem registros centralizados ou transparentes sobre a origem genética de crianças nascidas por reprodução assistida. Autoridades de saúde da Bélgica, Holanda e Reino Unido já iniciaram rastreamentos urgentes para localizar as famílias afetadas e oferecer aconselhamento genético e monitoramento oncológico preventivo.

Falha de Controle no banco de esperma

A Falha de Controle no monitoramento do doador “Kjeld” levanta questões éticas graves sobre a indústria da fertilidade. Segundo a investigação, o European Sperm Bank foi alertado pela primeira vez sobre uma possível anomalia genética em abril de 2020, quando uma criança diagnosticada com câncer foi vinculada ao doador. No entanto, após testar uma amostra que resultou negativa (devido à natureza complexa do mosaicismo), a venda do esperma foi retomada, permitindo que mais crianças fossem concebidas com o material defeituoso por mais três anos. O bloqueio definitivo do doador só ocorreu no final de 2023, após novos casos surgirem.

Além da demora na detecção, a Falha de Controle se estende ao desrespeito aos limites legais de prole. Em países como a Bélgica, a lei permite que um doador gere filhos para no máximo seis mulheres diferentes. Contudo, a investigação descobriu que o esperma de “Kjeld” foi usado para engravidar pelo menos 38 mulheres apenas naquele país, violando flagrantemente a regulação nacional. Essa “superutilização” de doadores populares é facilitada pela exportação internacional de sêmen, onde um mesmo homem pode atingir o limite máximo em dezenas de países diferentes simultaneamente, sem que haja um banco de dados global unificado.

A justificativa do banco de que a mutação era “indetectável” com a tecnologia da época é contestada por especialistas que defendem protocolos mais rigorosos para doadores de “alto volume”. A Falha de Controle demonstra que os testes de triagem focados apenas no sangue periférico do doador são insuficientes para garantir a segurança genética completa, especialmente quando o material biológico será distribuído em escala industrial.

Herança Perigosa do gene TP53

A Herança Perigosa deixada pelo Doador 7069 é uma sentença de incerteza médica para as famílias. A mutação no gene TP53 causa a Síndrome de Li,Fraumeni, uma condição que desabilita a capacidade do corpo de suprimir tumores. Diferente de outras predisposições genéticas que aumentam riscos na idade adulta, essa síndrome afeta frequentemente crianças e adultos jovens, causando tumores em tecidos moles, ossos, cérebro e mamas. Estima,se que cerca de 20% do esperma do doador carregava a mutação, o que significa que nem todas as 197 crianças a herdaram, mas todas precisam ser testadas urgentemente.

Para aquelas que herdaram essa Herança Perigosa, a vida se transforma em uma rotina de exames constantes. O protocolo médico para portadores de Li,Fraumeni exige ressonâncias magnéticas de corpo inteiro anuais e exames de sangue frequentes para detectar o câncer em estágio inicial, a única forma de aumentar as chances de sobrevivência. O impacto psicológico nas mães, muitas das quais recorreram a um banco de esperma para evitar justamente doenças hereditárias de parceiros ou para realizar o sonho da maternidade solo, é devastador.

Médicos geneticistas alertam que a Herança Perigosa não termina nesta geração. As crianças que possuem a mutação têm 50% de chance de transmiti,la para seus próprios futuros filhos, perpetuando o ciclo da doença se não houver intervenção reprodutiva especializada. O caso “Kjeld” transformou o sonho da vida nova em uma vigilância perpétua contra a morte.

Amplitude do Caso em 14 países

A Amplitude do Caso impressiona pela sua capilaridade geográfica. O esperma do doador dinamarquês foi enviado para 67 clínicas em 14 países europeus e possivelmente para fora do continente. Na Dinamarca, país de origem do banco, 99 crianças foram concebidas; na Bélgica, foram 53; na Espanha, 35. Há relatos de uso do material também na Islândia e em “pequeno número” no Reino Unido, onde mulheres viajaram para realizar o tratamento no exterior, contornando as regulações locais mais estritas.

Essa Amplitude do Caso dificultou a detecção precoce do problema. Como as crianças doentes estavam espalhadas por diferentes sistemas de saúde nacionais, demorou anos para que os padrões de incidência de câncer fossem notados e conectados a uma fonte comum. A falta de comunicação transnacional entre clínicas de fertilidade permitiu que o doador continuasse ativo em um país enquanto casos suspeitos já eram investigados em outro.

A revelação da Amplitude do Caso forçou a União Europeia a reavaliar suas diretrizes sobre Substâncias de Origem Humana (SoHO). O escândalo deve acelerar a implementação de um número único europeu para doadores, permitindo o rastreamento em tempo real de quantas famílias cada doador já atendeu em todo o bloco, evitando que brechas de fronteira sejam exploradas comercialmente.

Impacto nas Famílias e vítimas fatais

O Impacto nas Famílias envolvidas é trágico e irreversível. Relatos colhidos pela investigação confirmam que algumas das crianças geradas pelo doador já faleceram em decorrência de cânceres agressivos na primeira infância. Outras lutam contra a doença neste momento ou vivem sob a sombra do diagnóstico iminente. Para os pais, a notícia chegou de forma brutal, muitas vezes por meio de cartas das clínicas anos após o nascimento, informando sobre o “risco genético elevado”.

Além do sofrimento emocional, o Impacto nas Famílias envolve custos financeiros astronômicos com tratamentos oncológicos e a necessidade de suporte psicológico vitalício. Grupos de mães afetadas começaram a se organizar em associações para buscar reparações legais contra o European Sperm Bank, alegando negligência e falta de transparência. A sensação de traição é o sentimento predominante, já que a promessa dos bancos de esperma é justamente a de oferecer doadores “premium”, rigorosamente selecionados e saudáveis.

Por fim, o Impacto nas Famílias levanta um debate sobre o direito ao anonimato versus o direito à saúde. Em muitos casos, a identidade do doador era protegida, dificultando o contato direto das famílias com a realidade genética de seus filhos. O caso “Kjeld” pode marcar o fim da era da doação anônima desregulada, priorizando o direito da criança de saber sua origem biológica, não apenas por curiosidade, mas como uma questão de sobrevivência médica.

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