Anvisa aprova vacina contra dengue do Butantan

Agência Nacional de Vigilância Sanitária concluiu avaliação técnica da Butantan-DV nesta quarta-feira e autorizou primeira vacina tetravalente de dose única contra dengue produzida no país

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Fileiras de frascos de vidro transparentes contendo vacina contra dengue com tampas cinza-esverdeadas alinhados em linha de produção farmacêutica do Instituto Butantan com equipamentos laboratoriais desfocados ao fundo
Frascos da vacina Butantan-DV em linha de produção no Instituto Butantan após aprovação histórica da Anvisa em 26 de novembro de 2025.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária assinou nesta quarta-feira o termo de compromisso com o Instituto Butantan para registro da Butantan-DV, vacina contra dengue desenvolvida no Brasil. O imunizante representa marco histórico na saúde pública brasileira por ser a primeira vacina de dose única contra a doença no mundo. A assinatura do documento ocorreu após conclusão da avaliação técnica pelas áreas especializadas da Anvisa e antecede a publicação oficial no Diário da União.

O diretor da Anvisa, Daniel Pereira, confirmou que o processo recebeu prioridade desde janeiro de 2025, quando o pedido de registro foi apresentado pelo Instituto Butantan. A agência organizou painéis técnicos com especialistas externos que colaboraram na análise dos dados clínicos apresentados ao longo do ano. Consequentemente, a avaliação envolveu dezenas de horas de discussões técnicas entre equipes internas e consultores independentes antes da aprovação final.

A vacina Butantan-DV utiliza tecnologia de vírus vivo atenuado, método seguro já empregado em diversos imunizantes disponíveis no país e no mundo. Além disso, o produto oferece proteção tetravalente, abrangendo os quatro sorotipos do vírus da dengue com apenas uma aplicação. Por outro lado, outras vacinas disponíveis no mercado exigem esquemas de duas doses para completar a imunização, dificultando a adesão populacional.

Primeira vacina nacional em dose única

O Instituto Butantan desenvolveu o imunizante em parceria com o Ministério da Saúde e o laboratório chinês WuXi Biologics, responsável por garantir escala industrial de produção. Portanto, a vacina representa avanço estratégico na redução da dependência brasileira de importações de imunobiológicos. O diretor do Instituto Butantan, Esper Kallás, classificou a aprovação como feito histórico para a ciência nacional. De acordo com Kallás, uma doença que aflige o Brasil há décadas poderá ser enfrentada com arma desenvolvida integralmente por cientistas e voluntários brasileiros.

O secretário de Estado da Saúde de São Paulo, Eleuses Paiva, destacou que a produção em território paulista demonstra capacidade de liderança do estado no desenvolvimento de biotecnologias estratégicas. Ademais, a iniciativa fortalece a soberania sanitária nacional e reduz vulnerabilidades relacionadas ao abastecimento de vacinas importadas. O governador Tarcísio de Freitas anunciou expectativa de fornecer pelo menos 60 milhões de doses para todo o país nos próximos dois anos.

O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, classificou a data como vitória da ciência e do Sistema Único de Saúde brasileiro em coletiva de imprensa realizada nesta manhã. Segundo Padilha, o Ministério da Saúde investe mais de R$ 10 bilhões por ano no Instituto Butantan, incluindo R$ 1,2 bilhão pelo Novo PAC Saúde especificamente para expansão da estrutura produtiva da vacina contra dengue. Inclusive, o Brasil foi o primeiro país a oferecer vacina contra dengue no sistema público de saúde.

Eficácia de 74,7% e indicação aprovada

O estudo clínico de fase 3 da Butantan-DV contou com participação de mais de 16 mil voluntários acompanhados durante cinco anos. Os resultados apresentados à Anvisa demonstraram eficácia global de 74,7% contra dengue sintomática na população de 12 a 59 anos de idade. Em outras palavras, a vacina evitou a doença em aproximadamente três quartos dos casos entre participantes imunizados durante o período de acompanhamento clínico.

A análise técnica da Anvisa concluiu que o benefício-risco da Butantan-DV é favorável, especialmente considerando o contexto epidemiológico brasileiro onde a dengue representa desafio crítico. Além disso, a eficácia se mostrou semelhante entre pessoas que já haviam contraído dengue anteriormente e aquelas que nunca tiveram contato com o vírus. Portanto, o imunizante pode ser administrado independentemente do histórico sorológico do paciente.

As reações adversas identificadas foram geralmente leves a moderadas, incluindo cefaleia, exantema cutâneo e fadiga segundo os dados apresentados. Entretanto, as formas graves da doença foram raras entre participantes vacinados, com tendência de proteção sem necessidade de hospitalização. O termo de compromisso assinado nesta quarta-feira prevê continuidade dos estudos para apresentação de dados adicionais clínicos e monitoramento ativo da população vacinada.

A indicação aprovada pela Anvisa contempla pessoas de 12 a 59 anos de idade, faixa etária que concentra maior volume de casos sintomáticos. Contudo, o Instituto Butantan já recebeu autorização da agência reguladora para avaliar a vacina na população de 60 a 79 anos em novos estudos. Consequentemente, se os resultados dessa pesquisa forem satisfatórios, será possível solicitar inclusão desse grupo nas recomendações oficiais do imunizante.

Produção nacional e cronograma de distribuição

O Instituto Butantan iniciou produção do imunizante em seu parque industrial mesmo antes da aprovação regulatória, antecipando a demanda nacional. Atualmente, o órgão paulista dispõe de mais de 1 milhão de doses prontas para envio imediato ao Programa Nacional de Imunizações. Ademais, a parceria firmada com a empresa chinesa WuXi permitirá ampliar significativamente a capacidade produtiva nos próximos meses.

A expectativa é entregar aproximadamente 30 milhões de doses no segundo semestre de 2026, volume suficiente para atender parcela significativa da população-alvo. Posteriormente, a produção poderá ser escalada conforme demanda do Ministério da Saúde e definição dos grupos prioritários para imunização. O ministro Padilha afirmou que a vacina deve começar a ser utilizada já em dezembro de 2025 em caráter inicial.

O Ministério da Saúde levará os dados técnicos à Comissão Intergestores Tripartite nesta quinta-feira para definições sobre incorporação ao calendário nacional. Além disso, o Comitê Técnico Assessor do Programa Nacional de Imunizações será convocado na próxima segunda-feira para analisar estratégias de vacinação. Portanto, o cronograma prevê início da oferta pelo SUS a partir de janeiro de 2026, com público-alvo a ser definido pelos especialistas.

A vacina será oferecida exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde, garantindo acesso gratuito para toda a população dentro da faixa etária aprovada. Diferentemente, a comercialização privada não está prevista no modelo de distribuição acordado entre governo e Instituto Butantan. Consequentemente, o imunizante reforça o compromisso com equidade no acesso às tecnologias de saúde desenvolvidas com recursos públicos.

Contexto epidemiológico e impacto esperado

O Brasil registrou 6,5 milhões de casos prováveis de dengue em 2024, número quatro vezes maior que os 1,6 milhão de casos notificados em 2023. Além disso, foram confirmadas 6.297 mortes pela doença no ano passado, evidenciando a gravidade do problema de saúde pública. Até meados de novembro de 2025, o país já contabilizou 1,6 milhão de casos prováveis, representando redução de 75% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Desde o início dos anos 2000, mais de 20 milhões de brasileiros foram acometidos pela dengue segundo dados compilados pelo Ministério da Saúde. Entretanto, especialistas alertam que os números reais podem ser ainda maiores devido à subnotificação de casos leves e assintomáticos. O vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, Renato Kfouri, destacou que a doença está em plena expansão mundial, especialmente em países tropicais.

Atualmente, mais da metade da população mundial vive em zonas de risco para dengue, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde. Ademais, mudanças climáticas e aquecimento global favorecem a proliferação do mosquito Aedes aegypti, vetor da doença. Consequentemente, a dengue e outras arboviroses tendem a se expandir geograficamente, tornando vacinas ferramentas primordiais para controle epidemiológico.

A vacina Qdenga, produzida pela farmacêutica japonesa Takeda, é atualmente a única disponível no SUS para combate à dengue. Contudo, o imunizante é destinado exclusivamente a crianças e adolescentes de 10 a 14 anos e requer aplicação de duas doses. Portanto, a Butantan-DV ampliará significativamente o alcance da vacinação ao cobrir faixa etária de 12 a 59 anos com apenas uma aplicação.

Pesquisadores do Reino Unido publicaram relatório em 2018 na revista Human Vaccines & Immunotherapeutics demonstrando benefícios de programas com dose única. O estudo apontou que esquemas de imunização com menos doses estão associados a melhor cobertura vacinal e maior efetividade no enfrentamento de doenças. Consequentemente, a Butantan-DV tem potencial para facilitar adesão do público e agilizar logística de campanhas de vacinação em larga escala.

Kfouri ressaltou que a vacina brasileira pode beneficiar não apenas a população nacional, mas também outros países que enfrentam desafios semelhantes com dengue. Inclusive, nações de clima tropical e subtropical poderão avaliar incorporação do imunizante em seus programas de saúde pública. Dessa forma, o desenvolvimento da Butantan-DV posiciona o Brasil como protagonista global na pesquisa e produção de tecnologias contra arboviroses.

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