Arábia Saudita investe bilhões em liderança IA

Reino saudita direciona riqueza do petróleo para transformar-se em potência tecnológica através de investimentos massivos em centros de dados e parcerias com gigantes como Nvidia, AMD e Amazon

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Vista aérea noturna da cidade de Riade, capital da Arábia Saudita, com arranha-céus iluminados e tráfego intenso.
Vista noturna de Riade, onde o governo saudita concentra investimentos estratégicos em inteligência artificial.

A Arábia Saudita investe bilhões de dólares para consolidar sua posição como potência global em inteligência artificial. O reino do Oriente Médio está redirecionando sua riqueza histórica do petróleo para infraestrutura tecnológica avançada. O ambicioso plano coloca o país em rota de colisão direta com Estados Unidos e China pelo domínio do mercado global de IA.

O principal instrumento dessa transformação chama-se Humain, empresa estatal criada pelo príncipe herdeiro Mohammad bin Salman. A companhia pertence ao Fundo de Investimento Público do reino, avaliado em aproximadamente US$ 1 trilhão. A Humain desenvolve um ecossistema completo que abrange centros de dados, recursos em nuvem, modelos de linguagem ampla e aplicativos especializados em inteligência artificial.

Durante o evento Future Investment Initiative realizado em Riade nesta semana, a escala do projeto tornou-se ainda mais evidente. Tareq Amin, CEO da Humain, revelou planos para transformar a Arábia Saudita no terceiro maior mercado de IA mundial. A meta estabelecida pela empresa é processar cerca de 6% da carga global de trabalho em IA nos próximos anos.

A estratégia saudita prevê a construção de até seis gigawatts em capacidade de centros de dados até 2034. A empresa já assinou acordos bilionários com fabricantes de chips como Nvidia, AMD e Qualcomm. Além disso, parcerias estratégicas foram firmadas com Amazon Web Services, Cisco e outras gigantes tecnológicas para viabilizar a infraestrutura necessária ao ambicioso projeto.

Como o Reino saudita planeja superar rivais tecnológicos

A Arábia Saudita investe bilhões aproveitando vantagens competitivas únicas que poucos países conseguem oferecer ao mercado global. A infraestrutura energética do reino representa um diferencial importante para atrair empresas de tecnologia. O país oferece eletricidade até 40% mais barata que os Estados Unidos, fator crucial para operações que demandam alto poder computacional.

Amin destacou que a robusta rede elétrica saudita elimina a necessidade de construir subestações adicionais para os centros de dados. Essa vantagem estrutural economiza aproximadamente 18 meses no cronograma de implementação dos projetos. As vastas extensões territoriais e recursos naturais abundantes completam o pacote de atrativos oferecidos pelo reino aos investidores internacionais.

O anúncio recente de um acordo de US$ 3 bilhões com o gigante de private equity Blackstone demonstra a seriedade do empreendimento. O contrato prevê a construção de múltiplos centros de dados estrategicamente distribuídos pelo território saudita. A primeira instalação contará com 18 mil GPUs da Nvidia em um complexo de 50 megawatts programado para 2026.

A Humain também lançou publicamente o Humain One, sistema operacional inovador baseado em inteligência artificial. A plataforma permite que usuários interajam por voz ou texto para comandar o computador realizar tarefas complexas. O sistema representa uma alternativa aos modelos convencionais como Windows e iOS que dependem de cliques em ícones para navegação.

Disputa regional acirrada com Emirados Árabes coloca pressão no projeto

Os Emirados Árabes Unidos emergiram como competidor direto da Arábia Saudita na corrida pela hegemonia tecnológica regional. O país vizinho conta com o G42, seu próprio veículo de investimento em inteligência artificial. Recentemente, os Emirados garantiram acordo histórico com a administração Trump para construir o Stargate UAE, projeto de centro de dados avaliado em US$ 500 bilhões.

O megaprojeto emiradense conta com apoio de empresas como OpenAI, Oracle, Nvidia e Cisco Systems. A iniciativa foi anunciada como o maior centro de dados fora dos Estados Unidos. Questionado sobre a viabilidade de duas potências regionais competindo no mesmo mercado, Amin defendeu a descentralização do conhecimento em inteligência artificial como benéfica para a humanidade.

A Arábia Saudita investe bilhões também na megacidade Neom, projeto futurista em construção na costa do Mar Vermelho. A DataVolt, empresa saudita parceira, garantiu investimento inicial de US$ 5 bilhões para estabelecer centro de dados de IA dentro da megacidade. Apesar dos cortes de financiamento recentes, o projeto conseguiu respiro com empréstimo de US$ 3 bilhões do grupo financeiro italiano Sace.

O reino enfrenta desafios significativos para concretizar suas ambições tecnológicas. A dependência de chips produzidos nos Estados Unidos torna o país vulnerável às tensões geopolíticas entre Washington e Pequim. Durante visita a Riade em maio, Donald Trump autorizou a venda de 18 mil chips da Nvidia ao reino, mas a liberação final permanece pendente.

Estratégia Vision 2030 busca diversificar economia para além do petróleo

A Arábia Saudita investe bilhões como parte da estratégia Vision 2030, plano abrangente de diversificação econômica. O príncipe Mohammed bin Salman alocou mais de US$ 40 bilhões especificamente para investimentos relacionados à inteligência artificial. O objetivo central consiste em reduzir drasticamente a dependência histórica das receitas provenientes da exportação de petróleo.

O reino está entrando na reta final de seu plano de transformação econômica enfrentando obstáculos consideráveis. A queda nos preços do petróleo e atrasos na construção de megaprojetos complicam a execução do ambicioso programa. No entanto, o governo mantém o compromisso com a meta de atrair mais de US$ 100 bilhões em investimento direto estrangeiro anualmente até 2030.

A Autoridade Saudita de Dados e Inteligência Artificial coordena a estratégia nacional no setor. O órgão estabeleceu processos acelerados de aprovação para projetos prioritários de IA. As decisões normalmente são tomadas em até 30 dias, prazo extremamente competitivo comparado aos padrões internacionais para aprovações governamentais de grande porte.

O Fundo de Investimento Público lançou fundo específico de US$ 1,5 bilhão para investimentos em startups de inteligência artificial. A Humain planeja criar braço de capital de risco de US$ 10 bilhões para investir em empresas inovadoras nos Estados Unidos, Europa e Ásia. Essa estratégia visa não apenas importar tecnologia, mas também exportar capital saudita para ecossistemas tecnológicos consolidados.

Parcerias estratégicas com gigantes tecnológicos fortalecem ecossistema local

A Arábia Saudita investe bilhões atraindo parcerias de peso com empresas líderes do setor tecnológico global. Durante a conferência LEAP 2025 realizada em Riade, foram assinados acordos estratégicos totalizando US$ 14,9 bilhões. As parcerias incluem Google Cloud, Lenovo, Alibaba Cloud, Qualcomm, Groq e Salesforce entre outras companhias de primeira linha.

A Salesforce anunciou investimento de US$ 500 milhões para expandir suas operações no reino saudita. O plano inclui a introdução da Hyperforce, arquitetura de nuvem desenvolvida em parceria com a Amazon Web Services. A Groq garantiu US$ 1,5 bilhão em financiamento para expandir sua tecnologia de chips especializados em inteligência artificial no país.

O gigante saudita Alat e a Lenovo anunciaram investimento conjunto de US$ 2 bilhões para desenvolver unidade de produção de tecnologia avançada. A fábrica produzirá equipamentos de IA e robótica no território saudita. Como parte do acordo, a Lenovo estabelecerá sua sede regional em Riade, fortalecendo presença comercial na região do Golfo Pérsico.

A Aramco Digital, divisão tecnológica da petrolífera estatal, também está envolvida nos esforços de desenvolvimento em inteligência artificial. A empresa assinou acordo com a Groq para construir centro de IA especializado na Arábia Saudita. Empresas chinesas como a DeepSeek utilizam centros de dados da Aramco para seus projetos, demonstrando o equilíbrio estratégico buscado pelo reino.

Desenvolvimento de talentos locais representa desafio crítico para sustentabilidade

O sucesso da transformação tecnológica saudita depende fundamentalmente da capacidade de atrair e desenvolver profissionais qualificados. O reino oferece alguns dos pacotes de remuneração mais competitivos para talentos em IA globalmente. Os principais cientistas de dados ganham salário anual mediano de US$ 420 mil isentos de impostos, valores extremamente atrativos comparados aos padrões internacionais.

A Universidade King Abdullah de Ciência e Tecnologia entrou no ranking das 150 melhores universidades do mundo na formação de talentos em IA. A instituição tornou-se a mais bem classificada do Oriente Médio nesse quesito. Programas como “10.000 Coders” visam treinar jovens sauditas equipando-os com habilidades avançadas em inteligência artificial e desenvolvimento de software.

O reino investiu US$ 20 bilhões em parcerias com universidades de elite como Stanford para fortalecer a KAUST. A universidade abriga um dos principais laboratórios de pesquisa em IA do mundo atualmente. O governo busca atrair 20 bilhões de dólares em investimentos enquanto cria 200 mil empregos de alta tecnologia até o final da década.

Apesar dos esforços, o país enfrenta dificuldade significativa para competir com ecossistemas tecnológicos consolidados como Silicon Valley. A capacidade de atrair e reter profissionais qualificados depende não apenas de salários competitivos. Fatores culturais, liberdades individuais e ambiente de inovação também pesam na decisão de talentos globais sobre onde estabelecer suas carreiras.

Questões éticas e geopolíticas geram controvérsias sobre investimentos bilionários

Os investimentos sauditas em tecnologia levantam questões importantes sobre o papel de regimes autoritários na economia digital global. O país é criticado internacionalmente por práticas como tortura, opressão de mulheres e minorias religiosas, assassinato de dissidentes políticos e proibição da homossexualidade. As parcerias tecnológicas são vistas por críticos como tentativa de melhorar a imagem internacional do reino através de “lavagem tecnológica”.

Abdullah Al-Ghamdi, presidente da Autoridade Saudita de Dados e IA, participou do Action AI Summit em Paris. O executivo sublinhou a necessidade de estabelecer quadros regulamentares robustos para inteligência artificial. No entanto, questões sobre como garantir desenvolvimento ético da tecnologia em contexto de valores culturais específicos permanecem sem respostas claras.

A ausência de diversidade e inclusão no setor tecnológico saudita preocupa especialistas internacionais. A inteligência artificial reflete inevitavelmente os valores e vieses de quem a desenvolve. Por isso, investimentos em diversidade tornam-se fundamentais para garantir que a tecnologia não perpetue discriminações existentes ou crie novas formas de opressão.

O equilíbrio estratégico mantido entre Estados Unidos e China adiciona camada de complexidade geopolítica ao projeto saudita. Enquanto firma parcerias bilionárias com empresas americanas, o reino simultaneamente investe em companhias chinesas de tecnologia. Essa estratégia dual gera desconfiança em Washington sobre possível transferência de tecnologia sensível para Pequim através de Riade.

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