NASA acha “molécula da felicidade” em asteroide

Cientistas identificam aminoácido essencial para o humor humano em material trazido pela missão OSIRIS,REx, sugerindo que ingredientes da biologia complexa são universais.

O asteroide Bennu, com formato de diamante e superfície rochosa e irregular, contra um fundo preto do espaço.
O asteroide próximo da Terra Bennu, um corpo rico em carbono que contém pistas sobre a origem da vida e a formação do sistema solar.

Uma das perguntas mais antigas da humanidade — “de onde viemos?” — acaba de ganhar uma resposta que mistura ciência pesada com uma dose inesperada de poesia cósmica. Pesquisadores da NASA e de universidades parceiras anunciaram nesta semana a detecção de triptofano em amostras do asteroide Bennu, trazidas à Terra pela missão OSIRIS,REx. Para quem não está familiarizado com a bioquímica, o triptofano pode parecer apenas mais um nome técnico, mas ele é a peça,chave para a produção de serotonina, o famoso neurotransmissor responsável por regular nosso humor, sono e, crucialmente, nossa sensação de felicidade. A ideia de que o ingrediente bruto para a alegria humana estava flutuando no vácuo gelado do espaço há bilhões de anos altera nossa percepção sobre a exclusividade da vida na Terra.

Essa descoberta, publicada na prestigiada revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), representa um marco na astroquímica moderna. Diferentemente de meteoritos que caem na Terra e são “cozidos” pela entrada na atmosfera, as amostras de Bennu foram coletadas diretamente na fonte e trazidas em uma cápsula hermética, preservando sua pureza original. Isso permitiu aos cientistas encontrar moléculas frágeis que normalmente seriam destruídas pelo calor ou contaminadas pelo ambiente terrestre. O achado sugere que os asteroides funcionam como “pacotes de entrega” cósmicos, transportando compostos orgânicos complexos que, ao caírem em um planeta jovem e cheio de água, podem ter dado o pontapé inicial para a biologia como a conhecemos.

Precursor químico da alegria no espaço

A identificação do triptofano asteroide Bennu não foi tarefa fácil. A equipe utilizou técnicas de espectrometria de massa de ultra,alta resolução para “peneirar” a poeira estelar em busca de assinaturas moleculares específicas. O triptofano é um dos 20 aminoácidos essenciais para a vida, mas é também um dos mais complexos quimicamente. Sua presença em um corpo celeste primitivo, que permaneceu praticamente inalterado desde a formação do Sistema Solar há 4,5 bilhões de anos, indica que a natureza possui uma “cozinha química” muito mais sofisticada do que imaginávamos. Esses processos abióticos — que ocorrem sem a presença de vida — foram capazes de sintetizar estruturas que hoje são fundamentais para o funcionamento do nosso cérebro.

Além do aspecto biológico, a descoberta tem um peso filosófico. Saber que a molécula necessária para sentirmos bem,estar pode ter se originado nas estrelas cria uma conexão tangível entre o corpo humano e o cosmos. O estudo aponta que, além do triptofano, outras moléculas orgânicas vitais foram encontradas, criando um inventário químico rico que transforma Bennu em um verdadeiro fóssil do sistema solar. A “felicidade”, portanto, pode ter raízes extraterrestres, literalmente viajando através de vastas distâncias interestelares antes de se tornar parte da nossa fisiologia interna.

Ingrediente vital em rocha extraterrestre

A missão OSIRIS,REx, que culminou nesta análise, é um triunfo da engenharia espacial. Lançada em 2016, a sonda viajou até Bennu, tocou sua superfície brevemente em uma manobra ousada de “touch,and,go” e retornou à Terra em 2023, pousando no deserto de Utah. Desde então, cientistas ao redor do mundo têm dissecado cada grão desse tesouro preto e carbonáceo. A confirmação da existência de um ingrediente vital em rocha extraterrestre valida o esforço bilionário e a década de planejamento envolvidos na missão. Se tivéssemos dependido apenas de meteoritos encontrados no chão, talvez nunca tivéssemos descoberto essa conexão, pois o triptofano é frágil demais para sobreviver à violência de uma queda atmosférica sem proteção.

Comparativamente, missões anteriores, como a japonesa Hayabusa2 que visitou o asteroide Ryugu, encontraram aminoácidos mais simples e nucleobases, mas a diversidade química de Bennu parece ser superior. Enquanto Ryugu nos deu as primeiras letras do alfabeto da vida, Bennu parece estar nos entregando frases inteiras. A presença de água antiga e minerais argilosos nas amostras sugere que o corpo parental de Bennu — o asteroide maior do qual ele se fragmentou — pode ter sido um mundo aquático e morno, um ambiente propício para a síntese orgânica complexa muito antes da Terra sequer esfriar.

Composto orgânico e panspermia cósmica

A teoria da panspermia, que propõe que a vida — ou pelo menos seus blocos de construção — foi distribuída pelo universo através de cometas e asteroides, ganha um reforço de peso com esses dados. Se o composto orgânico e panspermia cósmica estão ligados, isso significa que a Terra não precisou “inventar” a química da vida do zero. Em vez disso, nosso planeta pode ter sido bombardeado por uma chuva de nutrientes cósmicos que enriqueceram a “sopa primordial” dos oceanos primitivos. O triptofano, ao chegar aqui, teria se integrado às primeiras cadeias de proteínas, eventualmente evoluindo para desempenhar funções complexas em organismos multicelulares.

Céticos e cientistas cautelosos lembram, no entanto, que encontrar aminoácidos não é o mesmo que encontrar vida. O triptofano em Bennu foi criado por reações químicas frias e radiação, não por células vivas. Ainda assim, a distinção é tênue. Se a química do universo tende naturalmente a criar os blocos da vida, então a probabilidade de que a vida exista em outros lugares aumenta exponencialmente. Se os ingredientes estão em toda parte, a “receita” pode ter sido cozinhada em incontáveis outros mundos que orbitam outras estrelas, seguindo os mesmos princípios moleculares que nos governam.

Futuro da exploração de asteroides

O olhar da ciência agora se volta para o futuro. A quantidade de material trazido de Bennu é suficiente para manter gerações de cientistas ocupadas. Apenas uma fração mínima das amostras foi analisada até agora, e o triptofano pode ser apenas a ponta do iceberg. Novas técnicas de análise, que serão inventadas nos próximos anos, poderão revelar segredos ainda mais profundos escondidos nesses grãos de poeira. A NASA já planeja novas missões para corpos celestes ainda mais distantes e primitivos, buscando entender se a química de Bennu é a regra ou a exceção no nosso sistema solar.

Para o público geral, a notícia serve como um lembrete de humildade e admiração. Somos feitos de matéria estelar, como dizia Carl Sagan, mas agora sabemos que até mesmo nossa capacidade de sentir felicidade pode ter uma herança que precede a própria existência do nosso planeta. Em um mundo cheio de notícias pesadas, saber que o universo conspirou quimicamente para criar as condições para a nossa alegria é, por si só, um motivo para olhar para o céu com um sorriso.

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