A revolução da inteligência artificial generativa conquistou o mundo com uma velocidade impressionante, mas os bastidores financeiros da principal protagonista desse movimento revelam um cenário desafiador e, para muitos analistas, assustador. Um relatório recente divulgado pelo banco HSBC jogou um balde de água fria no otimismo desenfreado do mercado ao projetar que a OpenAI, criadora do onipresente ChatGPT, não verá a cor do lucro antes de 2030. Mais alarmante do que o horizonte temporal distante é a cifra necessária para manter a operação de pé até lá: a empresa precisará levantar estonteantes US$ 207 bilhões em capital externo para cobrir seus custos operacionais e de expansão.
Essa análise financeira expõe a fragilidade do modelo de negócios atual das grandes empresas de IA, que dependem de um consumo voraz de recursos computacionais e energéticos. Enquanto o público se maravilha com a capacidade do chatbot de escrever poemas ou resolver códigos complexos, a infraestrutura necessária para processar essas requisições queima dinheiro a uma taxa sem precedentes na história da tecnologia. A projeção do HSBC sugere que a atual avaliação de mercado da empresa e seus rodadas de investimento, embora bilionárias, são apenas a ponta do iceberg de uma necessidade de capital muito maior e constante.
O documento do banco britânico coloca em perspectiva a sustentabilidade da corrida do ouro da inteligência artificial. Se a empresa mais icônica do setor, apoiada pela gigante Microsoft, enfrenta um caminho tão árduo e custoso para a lucratividade, o que isso sinaliza para o restante do ecossistema? A notícia reverbera não apenas no Vale do Silício, mas em Wall Street e nas bolsas globais, onde investidores começam a recalcular os riscos de apostar em promessas tecnológicas que exigem “cheques em branco” por quase uma década antes de retornarem dividendos reais.
Rombo financeiro bilionário da IA
A profundidade do buraco financeiro projetado pelo HSBC para a OpenAI desafia a lógica tradicional de startups de tecnologia. Embora seja comum que empresas de alto crescimento operem no vermelho nos primeiros anos — a Amazon e a Uber são exemplos clássicos —, a escala dos valores envolvidos na operação da OpenAI é de outra magnitude. A previsão de OpenAI prejuízo até 2030 não se deve à falta de receita, que cresce exponencialmente, mas sim aos custos fixos e variáveis que crescem em uma proporção ainda maior. A matemática, por enquanto, não fecha, e o relatório bancário deixa claro que a “queima de caixa” será a norma por um longo período.
Os principais vilões desse rombo financeiro são os custos de treinamento de novos modelos e a inferência, que é o processo de gerar respostas para os usuários. Cada nova versão do GPT exige clusters de processadores gráficos (GPUs) mais potentes e em maior quantidade, criando uma demanda insaciável por hardware da Nvidia e por data centers gigantescos. O HSBC aponta que, para se manter na liderança e entregar a Inteligência Artificial Geral (AGI) prometida por Sam Altman, a OpenAI não pode desacelerar seus gastos, sob o risco de ser ultrapassada por concorrentes como Google ou Anthropic.
Esse cenário cria um paradoxo perigoso: para ter sucesso no futuro, a empresa precisa sangrar financeiramente no presente de forma massiva. A análise do banco indica que os lucros operacionais são inviáveis nesta década porque cada dólar ganho em assinaturas ou APIs precisa ser reinvestido, multiplicado por dez, em infraestrutura. O relatório desmonta a narrativa de que a escala por si só traria eficiência de custos a curto prazo, sugerindo que a complexidade dos modelos aumenta os custos marginalmente mais rápido do que a receita consegue cobrir.
Necessidade de capital colossal
O número de US$ 207 bilhões citado pelo HSBC como necessidade de capital externo é difícil de visualizar, mesmo para padrões macroeconômicos. Para colocar em perspectiva, esse valor supera o PIB de países inteiros como a Hungria ou o Kuwait. Essa demanda por liquidez coloca a OpenAI em uma posição de eterna dependente de rodadas de investimento e de parcerias estratégicas profundas, como a que mantém com a Microsoft. O relatório sugere que a empresa terá que recorrer continuamente ao mercado de dívida ou à emissão de novas ações, diluindo participações e testando a paciência de seus financiadores.
A destinação desse montante faraônico é clara: a construção de uma infraestrutura física que suporte a próxima geração de IA. Isso envolve não apenas a compra de chips, mas o financiamento de projetos de energia limpa para alimentar os data centers, que consomem eletricidade comparável a cidades médias. A projeção do HSBC alinha se a rumores de mercado sobre o projeto “Stargate”, um supercomputador planejado em parceria com a Microsoft que poderia custar até US$ 100 bilhões. O relatório do banco valida a tese de que a IA não é apenas software, mas uma indústria pesada de capital intensivo.
Investidores de risco e fundos soberanos, que até agora injetaram bilhões na empresa com a esperança de retornos rápidos, podem começar a reavaliar suas posições diante da necessidade de mais US$ 207 bilhões. A pergunta que fica no ar é: existe dinheiro suficiente disponível no mercado de venture capital para sustentar uma única empresa por tanto tempo sem lucros? A análise do HSBC indica que a OpenAI poderá sugar a liquidez do setor de tecnologia, deixando menos recursos para outras inovações, centralizando ainda mais o poder no mercado de inteligência artificial.
Lucratividade distante no horizonte
A data de 2030 estipulada pelo HSBC como o ponto de virada para o lucro é um teste de fé para o mercado. No mundo da tecnologia, cinco anos são uma eternidade onde impérios podem ruir e novas tecnologias podem tornar as atuais obsoletas. A previsão de OpenAI prejuízo até 2030 baseia se na expectativa de que, apenas no final da década, os custos de hardware se estabilizarão e a adoção corporativa da IA atingirá um nível de maturidade tal que as margens de lucro se tornarão positivas. Até lá, a empresa operará como uma máquina de queimar dinheiro focada exclusivamente em crescimento e dominância de mercado.
O relatório detalha que a transição para o lucro dependerá de uma mudança no modelo de precificação. Atualmente, a OpenAI subsidia parte do custo de uso para ganhar fatia de mercado. Para atingir o azul em 2030, a empresa terá que aumentar preços ou reduzir drasticamente o custo computacional por meio de avanços na eficiência dos algoritmos. O HSBC alerta, no entanto, que a concorrência feroz e a disponibilidade de modelos de código aberto (open source) podem pressionar os preços para baixo, tornando a meta de 2030 ainda mais desafiadora e incerta.
Além disso, a análise considera riscos regulatórios e legais que podem impactar essa linha do tempo. Processos sobre direitos autorais e regulações governamentais sobre segurança de IA podem impor multas ou custos de conformidade que atrasariam ainda mais a chegada da lucratividade. O banco pinta um cenário onde a OpenAI precisa executar um plano perfeito, sem erros estratégicos ou barreiras externas, para conseguir entregar o primeiro dólar de lucro real aos seus acionistas apenas na próxima década.
Desafio econômico da inteligência artificial
O relatório do HSBC sobre a OpenAI transcende a própria empresa e serve como um diagnóstico sobre a saúde econômica de todo o setor de IA generativa. Se a líder absoluta do mercado, com a marca mais forte e a maior base de usuários, enfrenta um abismo de US$ 207 bilhões, a situação para competidores menores pode ser terminal. Isso sugere uma inevitável consolidação do mercado, onde apenas gigantes com bolsos infinitos (Big Techs) conseguirão sobreviver à “travesia do deserto” até a lucratividade. O sonho da democratização da IA por meio de startups independentes parece esbarrar no muro intransponível dos custos de capital.
Analistas de mercado começam a traçar paralelos com a bolha das pontocom dos anos 2000, onde a promessa da internet era real, mas o modelo financeiro das empresas estava desconectado da realidade. A diferença, segundo o HSBC, é que a IA exige ativos tangíveis (chips, energia, data centers) muito mais caros do que os servidores web do passado. A “bolha” atual não é apenas de valor de mercado (valuation), mas de custos operacionais (OpEx) e despesas de capital (CapEx). A viabilidade econômica da IA generativa, portanto, ainda é uma hipótese a ser provada, não uma garantia.
Por fim, a necessidade de US$ 207 bilhões levanta questões éticas e sociais sobre a alocação de recursos. Enquanto trilhões são direcionados para treinar modelos de linguagem que talvez só lucrem em 2030, outros setores da economia global podem sofrer com a escassez de capital. O relatório do HSBC é um chamado à racionalidade: a IA transformará o mundo, sem dúvida, mas o preço dessa transformação será cobrado em cifras astronômicas e exigirá uma paciência que o capitalismo moderno raramente demonstra. A OpenAI está pedindo ao mundo um voto de confiança de meio trilhão de reais, apostando que será a última empresa de tecnologia que precisaremos criar.
